- Luana Costa Ferro -
Este trabalho apresenta alguns pontos que devemos esclarecer sobre a importância, em termos de experiências de vida, que o brincar livre pode proporcionar na construção de bases sólidas para a vida adulta e as diversidades que ela carrega. Tentar acabar com a falsa ilusão de que diminuindo os espaços, ou aumentando o acesso às tecnologias, suprimos a real necessidade do brincar livre.
A esperança é esclarecer a sociedade como um todo sobre a realidade envolvida no simples ato de brincar livre, que leva a conhecer o mundo. Partindo dessa linha de pensamento, Manoel de Barros nos leva a pensar de forma simples e bela através do trecho do seu poema “Uma didática da invenção”. Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios. (BARROS, 1993)
O autor representa com toda leveza da poesia, a forma que o meio no qual estamos inseridos, junto com nossas interações, podem nos proporcionar momentos de aprendizagens significativas, momentos de invenções e significados para tudo com o que interagimos, que provavelmente só encontraremos em poucas instituições escolares.
O contato com o meio ajuda de forma significativa nas diversas formas de aprender para a vida; e contribui no processo de novas aquisições no meio escolar, pois a bagagem vivenciada está diretamente ligada para novas aprendizagens.
Partindo dessa forma de pensar, o que fica em aberto é em qual momento perdemos a nossa “liberdade? ” A liberdade de circular e brincar sem medo do que possa acontecer.
Quando de fato criamos nossas fortalezas particulares de alta proteção quanto a tudo? E esquecemos ou simplesmente colocamos de lado o que realmente nos faz bem.
Para qualquer criança suas vivências e memórias serão a base de construção para vida adulta. O que podemos esperar dessa geração tecnológica? Da lei do mínimo esforço, que podemos dizer que quase nada vivenciaram de fato. Qual será resultado de uma infância sem desafios e vivências não reais?
Nesse contexto o professor Francesco Tonucci, cita as bases para a vida adulta.
“Ao longo da vida, todo o cimento sobre o qual se constroem nossa formação e nossa cultura, foi adquirido nos primeiros anos de vida brincando. Além disso, brincar é a experiência que mais se parece à investigação científica e à experiência artística. ” (TONUCCI ,2016)
Quando pensamos no brincar livre, logo nos vem à lembrança do estar “solto”. Criar coisas incríveis com coisas simples; a terra virava logo comidinha (s/vírgula) e mil receitas eram criadas com a ajuda das pedrinhas do chão. A rua sempre acabava sendo lugar de reunir a turma, local onde podíamos brincar livremente.
Com o decorrer dos anos acabamos nos deparando com uma nova realidade, seja ela criada ou imposta. Quando pensamos no processo de evolução das cidades e o que a população necessita ou “acha” que necessita. Analisando os padrões familiares atuais, acabamos encontrando cada vez mais pais que trabalham muito; com a ideia de proporcionar o melhor para seus filhos, mas isso acaba surtindo efeito contrário. Os pais trabalham para dar tudo que julgam melhor para seus filhos, melhor colégio em tempo integral, aulas extras, etc. Mas quando, de fato, essas crianças estão livres (s/vírgula) para explorar sem preocupação ou criar a partir do natural?
Essa resposta fica cada vez mais distante quando olhamos o meio que acabamos por construir para essas crianças. Cidades com mais e mais prédios, condomínios que proporcionam tudo sem precisar sair de “casa”. Tudo parece minimamente pensado e calculado, com espaços de lazer com muitos brinquedos e tecnologias. Mas isso realmente é proporcionar o necessário para uma criança? Onde estão o brincar livre, o desafio, as descobertas e as vivências do real? Nesse ponto Tim Gill apresenta uma visão clara e objetiva sobre esse tema:
“Se quisermos que as crianças sintam que são parte de uma comunidade, que pertencem à cidade”, prossegue Gill, “que têm direito à cidade, responsabilidade e conexões com outras pessoas, se quisermos que se sintam cidadãos engajadas, nós temos que garantir a oportunidade para elas sentirem essas conexões”. (GILL, 2016)
Precisamos de fato evoluir o pensamento quando tratamos de educação, não no sentido tecnológico, mas no sentido de seres humanos que estamos dispostos a formar para vida.
Considerações finais
O mundo segue em passos largos os avanços tecnológicos e assim, por consequência, todos os setores das nossas vidas são atingidos. Acredito que tudo serve para somar no dia a dia, e assim não seria diferente na vida e na escola; devemos apenas medir as consequências de uma total substituição.
Quando falamos de crianças, sabemos que a forma pela qual elas mais aprendem é com o meio e pelo contato com o outro. Acredito que devemos criar pontes que façam essas ligações tecnológicas e o brincar livre no meio; e não levantarmos muros que isolam somente um pensamento.
O olhar sobre o brincar livre vai além do próprio meio familiar, acaba por se estender para as esferas governamentais, onde é urgente pensar políticas públicas que de fato garantam o brincar livre, como de fato deve ocorrer em sua real essência. Devemos estabelecer, não somente no papel, um ensino adequado e realmente voltado para a educação infantil, pois ainda caminhamos em pequenos passos, projetando tão cedo responsabilidades que acredito não serem nem do ensino fundamental. Devemos ter um olhar mais responsável com o futuro das crianças.
Referências bibliográficas:
TONUCCI, Francesco. A criança como paradigma de uma cidade para todos. Educação e território, 2016. Disponível em: https://educacaoeterritorio.org.br/reportagens/francesco-tonucci-a-crianca-como-paradigma-de-uma-cidade-para-todos/. Acesso em: 06 maio. 2020 às 18 h 40 min.
GILL, Tim. Crianças no espaço público são grandes ativadores de comunidades. Educação e território, 2016. Disponível em: https://educacaoeterritorio.org.br/reportagens/tim-gill-criancas-no-espaco-publico-sao-grandes-ativadores-de-comunidades/. Acesso em: 06 maio. 2020 ás 18 h 17 min.
BARROS, Manoel. Uma didática da invenção – Maior que infinito é a encomenda. Xapuri Socioambiental, 2017. Disponível em: https://www.xapuri.info/cultura/literatura/barros-didatica-da-invencao/. Acesso em: 09 maio. 2020 às 17 h 07 min.
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