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163 itens encontrados para ""

  • Brincar e as danças populares na socialização e saúde dos idosos

    - Aline Flor - “Cirandeira, cirandeira Venha pra cá Venha formar a roda, cirandeira Vamos todos cirandar Oh cirandeira!” Desde 2007 proponho atividades que permeiam o universo da cultura popular brasileira. Tive uma infância de muita brincadeira, conheci mestres e mestras populares que me deram a oportunidade de aprender, e acender a chama desses saberes em mim. A primeira vez que dancei uma ciranda foi na praia da Ilha do Mel, momento histórico, depois daquela viagem a ciranda permaneceu presente na minha vida, tamanho foi o impacto! Junto com ela veio o gosto e a vontade de estar em grupos, de cantar, improvisar, tocar, compartilhar experiências e vivenciar a alegria da arte do encontro que senti naquela ciranda. Em 2009 comecei um trabalho com idosos na periferia de São Paulo, e para o meu encantamento esse público enriqueceu a minha percepção de como fazer, de como propor as atividades. Eles já sabem muito! Então, trazer o que eles sabiam, foi o caminho. Logo foram aparecendo letras de músicas, versos, poesias, entusiasmos, animação, e muita contribuição que potencializou o trabalho. Entre 2018 e 2019 percorri vários núcleos de convivência de idosos na Capital de São Paulo, através do projeto Guardiões do Brincar, da IPA Brasil. Em sua maioria a receptividade dos idosos para com as brincadeiras, músicas e danças populares foram muito parecidas com as que eu já conhecia: lembrança da infância, versos que estavam na memória, contos e histórias vivenciadas ou inventadas na juventude, e das festas populares. Os idosos permitiram-se brincar, experienciar os jogos corporais dançantes aliados aos ritmos brasileiros (forró, coco de roda, e cirandas), exercitando o corpo e a mente, em um processo espontâneo (brincando), descobrindo potencialidades adormecidas, interagindo com o outro e contribuindo com o andamento do grupo, socializando-se. As danças e músicas brasileiras têm seus princípios nos rituais de celebrações dos povos antigos (época da colheita, de funeral, recreação, ou adoração aos deuses); é hoje o que ficou de mais presente das festas populares tradicionais (Bumba meu boi, Carnaval, Festas Juninas…), que ainda acontecem em algumas regiões do Brasil (Matos, 2006). Tais movimentos e ritmos inspiraram as brincadeiras cantadas e dançadas (cirandas), realizadas pelas crianças, com letras que remetem a sistemas de trabalhos, e de necessidades básicas da vida humana. É importante lembrar que o brincar para os idosos é diferente do brincar para as crianças, para estas situam-se em fase de descobrir o mundo, enquanto os mais velhos estão revendo, ressignificando, portanto, não devem conter caráter infantilizado, respeitando seu papel social (Matos, 2006). “Meu limão, meu limoeiro Meu pé de Jacarandá Uma vez tindo lele Outra vez, tindo lala” A importância do convívio social na terceira idade minimiza os efeitos negativos do envelhecimento, pois estimula as atividades físicas e cognitivas, além de satisfazer uma necessidade imaterial, mas de prazer e afetividade (Matos, 2006). Os médicos já as recomendam há algum tempo, como mostra o projeto Arts on Prescription, iniciado em 1995 no Reino Unido, onde os idosos eram encaminhados para uma série de atividades em grupo, como complemento dos tratamentos convencionais (Poulos et.al., 2018). Dançar está entre os processos classificados como bem sucedido, para o envelhecimento saudável (Maia et. al. 2020). Além de proporcionar movimento ao corpo, cuida da mente promovendo bem estar. Garantir o direito de uma boa velhice está na Lei 10.741 (Estatuto do Idoso), e sabendo que a população idosa tende a aumentar no Brasil segundo o IBGE, de 43,19%, em 2018, para 173,47%, em 2060, mostra-se de suma importância ações que apontam o caminho para o envelhecimento saudável! Bibliografia MAIA, Luciana Colares et al. Idosos robustos na atenção primária: fatores associados ao envelhecimento bem sucedido. Revista de saúde pública (online), São Paulo, v. 54, 35, 2020. MATOS, N.M. O significado do lúdico para idosos. 2006. 169f. Trabalho de pós graduação (gerontologia). Universidade Católica de Brasilia. Brasília. 2006. POULOS, R.G. et. al. Arts on prescription for community‐dwelling older people with a range of health and wellness needs. Revista Wiley Health and Social Care. Austrália. p.1-10. 2018.

  • Memórias do Brincar com Alan Q. Costa

    "Eu sempre brinquei muito, vivia na rua ou na casa de amigos, aprontava muito e posso dizer que aproveitei muito as brincadeiras que participei. Quando escolhi uma profissão, não sabia que o brincar estaria presentes e seria uma das essências e bases para minha atuação. Dessa forma, acredito que a possibilidade de oportunizar o brincar como forma de melhorar a vida das pessoas é meu grande motivador a continuar ajudando a erguer a bandeira fundamental do direito de brincar! A IPA Brasil entrou na minha vida como uma oportunidade de trabalho, uma renda extra e, como professor, toda ajuda é bem vinda!!! O que eu não esperava, e que foi algo que me marcou para toda vida, foi a maneira como fui recebido e acolhido por todas as pessoas que fazem a IPA Brasil ser muito mais que uma organização... Tudo ia bem, estava participando dos cursos de formação dos Agentes do Brincar, Guardiões do Brincar e Jovens Mediadores do Brincar, até que a pandemia veio e, junto com ela, minha mudança de estado. A distância, naquele momento, era a regra e as pessoas que fazem a IPA Brasil não mediram esforços para me ajudar a manter as aulas. Criar alternativas, pensar e ensaiar atividades no ambiente digital que pudessem ser efetivadas de maneira remota foram só alguns dos exemplos da experiência que tive com a IPA Brasil e que me trouxeram, além do apoio fora do comum, a ênfase do carinho, preocupação e respeito ao mesmo em que a exigência e profissionalismo me serviram de força para superar as dificuldades que todos tivemos. Ficar naquela varanda dando aula, correndo para o quarto e corredor para ter espaço para dançar ficarão para sempre na minha memória como história boa que a IPA Brasil me proporcionou num dos momentos mais difíceis que eu (e todos nós) passamos! Muito obrigada a toda equipe!!! A coisa mais importante do mundo são as crianças. Brincar vem logo em seguida! Nossa vida é um processo tão complexo e difícil que, se a gente não pudesse fazer a segunda coisa mais importante do mundo, a gente não conseguiria passar por essa provação. E o melhor: não tem idade para brincar! Tudo mundo pode!!! Se você ainda não percebeu isso, se dê o direito de brincar. Permita que você possa ter um momento para usufruir das possibilidades que o brincar pode ter oferecer, seja por meio da diversão, da descontração, do riso, da interação com o outro, da descoberta... Brinque e seja feliz!" Alan Q. Costa faz parte da nossa equipe desde 2015. Ele é Dr. Comunicação e Ms. Educação Física, e é Prof. da Escola Superior de Educação Física da Universidade de Pernambuco (ESEF-UPE). Possui experiência desenvolvendo estudos e pesquisas nas áreas da Educação Física, Esporte e Lazer, Comunicação e Educação, Plataformas e Jogos Digitais, Gestão e Políticas Públicas de Esporte e Lazer.

  • Criança - convivendo, brincando e aprendendo com outras crianças

    - Samanta Ribeiro de Almeida - “Carrego meus primórdios num andor, minha voz tem um vício das fontes. Eu queria avançar para o começo Chegar ao criançamento das palavras(...)” Manoel de Barros Começo minha história com as palavras de Manoel, pois, além de admirá-lo e devorar suas poesias, também sou muito apaixonada pela infância e valorizo muito meu passado. Quanto a essa fase vejo que fui muito privilegiada, ainda mais comparando com o presente, onde vejo as crianças cada vez brincando e interagindo menos umas com as outras, sendo mais amigas de eletrônicos do que das pessoas, cada vez mais presas, é triste. Cresci em casa de vó, eu e mais três crianças (meus primos, Karol e André, e minha irmã, Jéssica), brincávamos muito juntos e ainda estudamos, durante muito tempo, no mesmo colégio. O colégio que estudei era muito legal, tinha parque, passeio, duas quadras grandes, brinquedoteca e muita liberdade para criar e ser criança, as brincadeiras eram muito valorizadas e incentivadas pelos professores, era um colégio particular, estudei lá porque minha mãe trabalhava como professora, eu e minha irmã éramos bolsistas, dou muito valor ao esforço da minha mãe e sou grata por ter vivido essa experiência. Meu brincar na infância foi dividido entre o colégio e a casa da minha avó, tiveram outros lugares, mas esses dois foram onde passei mais tempo e que guardo com muito amor. Na casa da minha vó brincávamos muito de correr, se esconder, escolinha, detetive, contar e ler histórias juntos e por aí vai, brincadeira era o que não faltava, alguns acidentes rolaram também, mas faz parte. Além das brincadeiras, nossa família sempre valorizou que fizéssemos algum esporte, ainda mais que ficávamos os quatro com minha vó depois da escola, tínhamos que ter mais alguma atividade para não enlouquecê-la; além de cuidar da gente ela também trabalhava no salão. A casa da minha vó é bem grande, quer dizer, a casa em si não é tão grande, mas têm várias casas juntas, uma em cima, outra do lado, outra no fundo do quintal e ainda tem o salão de cabeleireira, onde ela trabalhava atendendo sozinha o dia todo. Voltando ao assunto esporte, por um tempo tentei praticar balé com minha irmã e prima, mas não deu muito certo e acabei entrando no tae-kwon-do e capoeira com meu primo, eu e ele crescemos muito juntos, fazíamos várias estripulias com minha vó e meu vô, que sempre acabava brincando com a gente, ele sempre foi muito brincalhão. Eu e meu primo brincávamos de luta, quando a casa passou por uma reforma, construíamos passagens secretas, de uma casa para a outra com os tijolos e montes de areia, também brincava com os bonecos e videogame dele, batíamos figurinha e víamos desenho de manhã juntos antes de irmos pra escola. Lembro que nós quatro tivemos a fase de adorar algumas bandas e, quando assistíamos aos clipes que passavam na MTV e a novela Chiquititas, imitávamos algumas coreografias, menos o André que tinha vergonha, e fazíamos apostas de qual seria o próximo clipe. Também brincávamos bastante na rua nos finais de semana, quando ganhamos bicicleta, meu pai saia com a gente pelo bairro, também saíamos para passear com os cachorros, houve um época em que cada um tinha o seu, quatro cachorros na casa, coitada da minha vó! hauhaua Quando chegavam as férias, viajávamos juntos para a praia, sempre parávamos no meio do caminho para comprar doces, batata frita e frango para comer no caminho. Depois de um tempo, acabei me mudando da casa da minha avó, passei a morar num prédio perto do colégio, lá fiz amizades e sempre descia para brincar no parquinho ou na casa de alguma das meninas. Uma vez brincamos de cabra cega e quase morri de medo, porque o irmão dela ficava fazendo vozes horripilantes para nos ouvir e descobrir onde estávamos, lembro também que uma vez, brincando de pega-pega, fui correr no hall do prédio e bati o rosto com tudo na parede, fiquei com cicatriz na testa igual ao do Harry Potter, todos na escola racharam o bico quando me viram no dia seguinte. Eu e meu primo continuávamos nossas brincadeiras mesmo de longe, às vezes ele ficava no prédio comigo ou eu ia para a casa da minha vó, onde ele ainda morava, para treinarmos as lutas e fazer natação, mais à noite meu vô me levava de volta pra casa. Nessa fase, as meninas, que são três anos mais velhas que a gente, já estavam preocupadas com outras coisas. Passados alguns anos, já adolescente, quando viajávamos, ou quando nos encontrávamos na casa da minha vó, começamos a brincar mais de carta e jogos de tabuleiro (banco imobiliário, jogo da vida, dominó, baralho). Nessa fase que morei no prédio, apesar de ter as amigas do condomínio, lembro de começar a passar mais tempo sozinha, foi quando comecei a me virar com minha irmã, já que meus pais passavam o dia fora trabalhando. Sempre fomos muito responsáveis e ajudávamos desde antes na limpeza da casa, mas vejo que foi nesse momento que acabei deixando de brincar para ajudar, o que me fez bem também, pois vejo que criei outra consciência sobre ajudar em casa e lidar com as responsabilidades. Do grupo de amigas, fui eu quem começou a trabalhar mais cedo, mas sempre permaneci em contato com meu lado criança. Atualmente, na fase adulta, vejo que nunca deixei e nunca deixarei de brincar, continuo brincando com amigos e familiares, meu amigos adoram brincadeira de roda com dança, saímos para dançar coco e forró, às vezes eles brincam de criar repentes. A cada ciclo as brincadeiras mudam, mas sempre existe alguma, como por exemplo, comecei a tocar um instrumento que chama “agbé”, treinar os movimentos e ver que meus pais adoram mexer nele quando passam pelo meu quarto, mostra que o movimento continua presente. Além disso, sou professora, assim como minha mãe e irmã, e isso faz com que eu nunca perca esse contato, faz parte da minha rotina, adoro brincar e ver as crianças brincando, passo muito do que aprendi pra elas e sempre priorizo esses momentos. Acredito que perder esse contato é o que entristece o ser humano, depois que se deixa de brincar a pessoa se enrijece de um jeito que perde o brilho. Evoluímos sempre, as brincadeiras mudam de forma e até de cor, mas sempre estão presentes, ainda bem!

  • O livre brincar: como estimular seu fluxo?

    - Mariana Ferreira Vieira - “Brincar é uma forma de organizar nosso mundo, criando um mundo paralelo ao que a gente vive” Antônio Nóbrega Para mim a formação em Agentes do Brincar é a formação dupla de defensores do direito ao brincar. Também são resgatadores das oportunidades do brincar para quem não teve seu direito de brincar assegurado. Estes mediadores do brincar, vão estimular a brincadeira pois estão instrumentalizados dos benefícios e da importância do livre brincar, assim como do empoderamento e apropriação dos espaços e práticas do brincar pelos brincantes. Como a fala de Antônio Nóbrega menciona, o espaço do brincar é uma construção interpretativa do nosso mundo, é um canal de fortalecimento da própria agência e autoconfiança, do ser-no-mundo pleno. O Agente do Brincar é o profissional que conhece os mecanismos através dos quais o livre brincar se estabelece, como estabelecê-los e como não interromper seu fluxo. O profissional em Agentes do Brincar tem a necessidade de sua existência ratificada por um contexto social de segregação do espaço e do tempo do brincar, de sua definição e controle por adultos, de sanitização do brincar “correto”, do espaço “adequado”, da aversão ao risco. O Agente do brincar preza pela reconexão das crianças com a cultura popular, com seus pares e com o potencial criativo de jogos, brinquedos e brincadeiras pela oferta de brinquedos que brincam sozinhos, espaços pouco desconstruídos em suas finalidades e isolamento urbano. O brincar é atividade espontânea e característica humana, porém a maneira como nos organizamos socialmente sufoca o caráter lúdico humano e é nesse contexto que o brincar se alça a direito humano e o Agente do Brincar a seu guardião, nos lembrando o motivo por que brincamos, o que no brincar constrói nossa humanidade e como a ausência da dimensão lúdica prejudica o desenvolvimento humano. Muito mais que o profissional que entretém e diverte, o Agente do Brincar também lida com o aspecto de tristeza, incerteza, de frustração, de risco e medo de que também são constituintes do brincar. Por saber que a brincadeira é uma experimentação da vida, esse profissional não freia as potencialidades de vida do brincar, mas abarca toda sorte de experiências do brincar como válidas e construtivas. É difícil estabelecer estes limites, quando pensamos na potencialidade de tudo que faz parte do brincar. Claro que quanto mais conhecimento, experiência e preparo deste profissional melhor ele saberá conduzir as situações adversas, neh?

  • Brincar de desenhar

    - GABRIEL VALIM ALCOBA RUIZ - Entre as múltiplas possibilidades de brincadeiras, o desenho é uma oportunidade de desenvolvimento da criatividade e da coordenação motora. Não saber desenhar pode ser uma insuficiência técnica ou não saber o que desenhar pode ser apenas uma ausência de inspiração, estes elementos inibem muitas pessoas, de mergulharem na brincadeira do desenho. Neste artigo, serão analisadas algumas possibilidades de exercícios de desenho, visando o desenvolvimento criativo. Encarando a folha em branco - dando vazão a criatividade “Numa folha qualquer Eu desenho um Sol amarelo E com cinco ou seis retas É fácil fazer um castelo” O excerto acima é parte da música Aquarela , de Toquinho, e é frequentemente utilizado como uma ilustração musical deste ato que é uma das mais antigas formas de arte (Ostrower, 1993). Nem todos, porém, concordam com a facilidade do ato de desenhar apontada pelo músico, e a ansiedade de desempenho leva muitos adultos a declarar enfaticamente não saberem desenhar, visando evitar uma possível vergonha diante de sua carência técnica. Em primeiro lugar, é necessário reconhecer o papel que se pretende com um desenho. Se, por um lado, é razoável exigir alta precisão no desenho técnico de um engenheiro que modela uma aeronave ou um prédio – porque de sua habilidade dependem vidas – esse não é o contexto de muitos desenhos. Quando o exercício ocorre visando o entretenimento, pouca ambição implícita há, além da diversão pessoal daqueles que desenham. Além disso, mesmo no âmbito profissional não há necessariamente a obrigação da alta precisão do desenho técnico: cartunistas como o Glauco Villas Boas não são reconhecidos pelo alto grau de refinamento de seus desenhos, quando comparado a renascentistas como Leonardo da Vinci, mas sim pelo seu estilo cômico e pelas criativas narrativas criadas. Assim, a preocupação com a forma do desenho, frequentemente, sobrepõe a preocupação com o conteúdo, o que é injustificado em diversos contextos. Desafiando o papel É possível estabelecer alguns princípios que estimulem a criatividade no desenho. Em uma série de livros para o público interessado – independentemente do nível técnico do leitor – Peter Jenny propõe alguns exercícios para aqueles que desejam que visa desenvolver sua criatividade no desenho. Jenny (2014b), em seu livro Técnicas de desenho , propõe, por exemplo, que o leitor reconheça que sua própria caligrafia é uma forma de desenho e faça exercícios de alterar certas características – Que resultados podemos obter se puxarmos a alça inferior do g minúsculo mais para baixo? E se inclinarmos uma certa reta, como ela se pareceria? Outros exercícios envolvem, por exemplo, tentar representar o percurso realizado por alguém em um mapa de papel, representar a trajetória realizada pelo corpo de alguém enquanto dança, bem como outros exercícios de observação de objetos bi e tridimensionais. Apenas depois de propor diversos exercícios de observação, incluindo detalhes como luz e sombras, o autor propõe que se façam exercícios de desconstrução – representando cada componente de um objeto por meio de formas geométricas – e finalmente exercícios de imaginação e construção de cenas, que num primeiro momento visariam a representação da memória de algo concreto e existente para, só então, usar artifícios como a extrapolação de alguma característica – aumentar demasiado as orelhas de um cachorro, ou a proporção dos móveis de uma casa. É possível observar, assim, que a abordagem de Jenny (2014b) é a de partir de objetos mais concretos para outros mais abstratos, baseando-se na compreensão de que a criatividade pictórica demanda certo conjunto de repertórios prévios. A abordagem é complementada em outro de seus livros, o Desenho Anatômico (Jenny, 2014a). Neste livro, o autor iniciar com alguns exercícios como o de observação e rememoração do observado. Em seguida, passa a exercícios de rabisco, que levem num primeiro momento ao desenho do esqueleto dos objetos a serem desenhados, visando reconhecer as proporções e alturas, num segundo momento a representação dos volumes, por meio de desenhos curvos, para só em momento posterior tentar integrar todos os elementos – proporções, volumes e alturas – num primeiro momento na representação de seres observados, para gradativamente partir para situações imaginadas. O final do livro, porém, rompe com a trajetória de trazer desenhos mais concretos e propõe exercícios de desenho mais insinuativos, onde apenas alguns elementos da anatomia dos seres é destacada, resultando em desenhos mais abstratos, mas que preservem alguma semelhança com o desenho original. O desenho abstrato será trabalhado sobretudo no livro Um olhar criativo (Jenny, 2014c). Nele, o autor propõe exercícios de observação e experimentação, fazendo uso de borras de café, papel amassado, madeira, tecido, nuvens, linhas de costura jogadas, retalhos, tachinhas, pregos e parafusos etc. Por meio da observação da desorganização, Jenny propõe que o leitor tente encontrar figuras e padrões ocultos. Talvez um urso se esconda nas nuvens, talvez uma calça jeans amassada possa revelar um rosto a depender do ângulo e da parte em que se enfoca. A criatividade, assim, seria desenvolvida para o autor por meio da experimentação com diferentes texturas, imagens e luzes, buscando reconhecer nisso possibilidades. A arte final Levando em conta os exercícios propostos por Jenny, é possível propor que a sensação de incapacidade para desenho pode ser superada mediante a exposição gradual a exercícios que desafiem sistematicamente o nível técnico e criativo do estudante. Para isso, o autor não propõe um mero confronto da folha em branco, mas sim uma série de exercícios que incorporem elementos ao repertório do desenhista e busquem resgatá-los, compondo artes mais complexas – e portanto criativas. Para um Agente do Brincar que se proponha a promover uma brincadeira de desenho, podemos propor que na brincadeira o Agente não apenas leve os materiais diretamente necessários – papéis, lápis, canetinhas, gizes etc, mas que busque trazer também materiais diversificados de onde o aluno possa extrair inspiração e superar o medo da folha em branco. Bibliografia JENNY, Peter. Desenho Anatômico . Editora GG Brasil: São Paulo, 2014 (a). JENNY, Peter. Técnicas de desenho . Editora GG Brasil: São Paulo, 2014 (b). JENNY, Peter. Um olhar criativo . Editora GG Brasil: São Paulo, 2014 (c). OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação . 9 ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

  • Pelo fim das diferenças de gênero no brincar

    - Helen Fernanda da Silva - Sempre brinquei muito, a infância no interior e nos anos 80/90 nos permitiu brincar com muito mais liberdade do que percebo hoje em São Paulo. Apesar de toda essa liberdade alguns padrões nos podavam e é sobre isso que decidi falar. O texto "Conhecendo a si próprio e ao outro. Valores éticos e humanos" de Marilena Flores martins, demonstra o peso que o brincar tem na formação do indivíduo, que consequentemente fará diferença no mundo (para o bem ou para o mal). "Quando as crianças têm a oportunidade de escolher como, onde e com quem querem brincar, elas estão desenvolvendo muitas habilidades sociais como: organizar sua agenda, negociar com outros sobre o que fazer, construir relações sociais, aprender a dominar a frustração quando perdem o jogo etc. Essas habilidades colaboram para a construção de um indivíduo único, resiliente, suficientemente capaz de estabelecer vínculos positivos e relações de confiança em si e no outro. Estas são as bases para que ele seja reconhecido como pessoa e como cidadão, pronto para desempenhar seu papel no mundo." Fiquei surpresa quando me dei conta do quanto a separação de gêneros esteve presente em toda minha vida, única menina da casa, parecia ser a única da vizinhança. Enquanto meus irmãos estavam na rua com muitos outros meninos experimentando as mais diversas brincadeiras, explorando todas as possibilidades motoras e interagindo com a diversidade de estilos de vida, eu estava em casa, brincava livre no quintal mas sozinha. "Meninos detestam meninas, elas são muito frágeis, delicadas". Enquanto minha mãe buscava uma amiguinha para mim (todas estavam escondidas em suas casas), eu seguia brincando com meus amigos imaginários, me aventurando com os brinquedos espalhados pelos irmãos que eu observei enquanto brincavam e fui reproduzir depois que eles saíram para outras aventuras. Nao sofria com esta realidade, mas hoje percebo quantas habilidades deixei de desenvolver por conta de uma sociedade que impõe o estilo de vida limitado pelo gênero. A questão de gênero não era tão explícita em minha casa, minha mãe (professora) até tinha ideias muito evoluídas sobre essas questões, porém não era desconstruída o suficiente e sempre caia em contradições (inconscientemente) em busca da aceitação social. Por outro lado, de que adiantaria eu poder brincar na rua livremente se as outras meninas não podiam e os meninos não queriam brincar comigo?! Eu também não queria brincar com meninos, sempre que estava brincando com algum aparecia um adulto ou até mesmo uma criança mais velha pra dizer que éramos namoradinhos e reforçar essa diferença de gênero. Graças a meus irmãos, tive mais contato com as "brincadeiras de menino" do que muitas amigas minhas. Na falta de um goleiro lá estava eu, em dias de chuva em que todos estavam presos em casa eu tinha oportunidades de interação com esse universo, mas sempre com as ressalvas, cuidado, medo, timidez afinal uma menina não é capaz de certas estripulias. É o que ouvimos desde sempre. Conforme fui ficando mais velha, conquistando um pouco mais de autonomia, tive mais acesso a rua, a brincadeiras mais desafiadoras, mas eu já estava defasada, me sentia um saco de batata. A combinação de mudanças no corpo mal explicadas permeadas por inúmeros tabus e associada ao senso comum de que certas atividades/atitudes são impróprias para meninas foram me tornando cada vez mais refém desses estereótipos. Na escola, a separação começa na fila da entrada, meninas de um lado meninos do outro o recreio livre permite algum tipo de interação, mas a esta altura já estamos pré-moldados a nos manter afastados. Um local onde essas diferenças ficavam um pouco de lado era o parquinho da escola. Lá a interferência de adultos era menor e havia um brinquedo que era “A sensação!”, um escorregador enorme, que foi construído aproveitando um barranco do terreno, a escada para chegar até o topo era cavada na terra degrau por degrau e sem corrimão, um desafio a parte que nos fazia escalar usando mãos e pés, só de descrevê-lo sinto o frio na barriga. Já no balanço e na gangorra era possível observar o quanto estávamos presos em nossos papéis de menino e menina. Enquanto entre os meninos competição era para ver quem pulava mais longe do balanço em movimento as meninas no máximo comparavam quem balançava mais alto ou dava mais voltas na corrente. Ai da menina que resolvesse dividir a gangorra com um menino, logo ficaria '’de castigo" presa no alto da gangorra para que ele mostrasse sua força para o grupo a ela cabia gritar por socorro para demonstrar sua fragilidade. Dizem que isso é culpa da genética, que meninos e meninas nascem com diferenças biológicas que os tornam aventureiros ou frágeis como se o posicionamento cultural da sociedade onde nascemos não tivesse influência sobre o modo de agir e reagir das crianças perante o "mundo azul ou cor de rosa" que lhes é apresentado desde o ventre materno. Quanto mais o tempo passa menos brincadeiras e mais distâncias entre meninos e meninas. As aulas de Educação Física divididas entre futebol para os meninos e vôlei ou dança para as meninas, ninguém era impedido pelo outro grupo de participar mas era ridicularizado pelo próprio grupo. A menina que jogava futebol com os meninos e o menino que dançava com as meninas eram motivo de muitos comentários maldosos. Na verdade são provas vivas de que as diferenças não são genéticas e sim impostas pela sociedade como explica o autor de “Cultura: um conceito antropológico”, Roque de Barros Laraia “o comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, de um processo que chamamos de endoculturação. Um menino e uma menina agem diferentemente não em função de seus hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada”. Sabendo que o brincar livre é importante para o desenvolvimento físico, motor, mental, emocional e cognitivo, percebo com ainda mais pesar o quanto a separação entre gêneros limita e até impede que meninos e meninas desenvolvam certas habilidades importantes para a vida.

  • Criar lampejos de uma vivência outra

    - Bêlit Lua Alencar - Procuro sozinha meditar sobre “qual o intuito de existir um agente do brincar?”. Primeiro, fico pensando no brincar; que sentido dar a esse verbo? Qual a natureza dessa ação? De súbito, me saltam os conceitos de mimese e leviandade. Porém, tão logo quanto encontro essas duas definições, já posso problematizá-las. Passeios os olhos pela sala e vejo minha gata “caçando” uma pelúcia pela centésima vez. Ora, não preciso dar a ela um estatuto racional para ver que ela não está “caçando” verdadeiramente. Ela joga para um lado, para outro, chuta e morde despreocupadamente, “imitando” o que seria uma caça pra valer. No entanto, a mimese é uma particularidade antropológica. Ela não imitará a mim, nem a outros seres, ela age conforme a sua natureza sem a pretensão de fazer igual a qualquer coisa. Nós, humanos, todavia, aprendemos nesse processo de imitar. Então, observo que nós fazemos mimese – em uma brincadeira qualquer em que há, por exemplo, o papel da mãe ou do pai - enquanto minha gata não, mas de qualquer forma ela brinca. A brincadeira é algo instintivo e natural, gostaria de apontar. Ainda é cedo para afirmar. Aqui fica só a observação de que ela não necessariamente é um ato mimético, e que está no seio da espontaneidade. Em segundo lugar, penso na leviandade. O lugar de despreocupação, da falta de seriedade. Ainda que esse seja um ponto forte ao senso comum do que é uma brincadeira, não posso deixar de negar em seu fundamento. Pois não há, no que pude aprender e experimentar, um brincar sem regras – ainda que mínimas. Em uma brincadeira se instaura um lugar com regras próprias, é claro, divergente do que está dado. Até mesmo o jogo mais livre, se fundamenta em um pressuposto. Portanto, o brincante não está leviano àquilo que se propôs. Ouso dizer que a brincadeira é ainda mais profícua quanto melhor se entende a regra e a vive. Assim, fico com uma conclusão de que o brincar está próximo de um lugar que eu posso chamar de jogo espontâneo. Uma vez que é uma ação que pressupõe uma regra e se desenvolve sem alguma relação de igualdade (fidelidade) com o mundo exterior. Então, resta a pergunta: qual o intuito de existir um agente do brincar? Por que esse jogo espontâneo requer alguém que o promova? Na Grécia antiga, a sociedade ateniense atentou que as crianças realizam essa ação e que isso era muito importante para elas. Platão quis a partir dessa constatação prescrever que o brincar deveria ser direcionado. Assim o pedagogo (o escravo que encaminhava as crianças ao ginásio) deve ter se responsabilizado para orientar suas crianças e, com essa responsabilidade, se especializou – pois, não se deixa a deliberação de qualquer escravo a diretriz de uma ação muito importante, que é a brincadeira. O resto é história de como a pedagogia se desenvolveu como método de aprendizagem e não nos cabe discutir nesse momento. O que quero chamar a atenção é de que um direcionamento para um jogo espontâneo é uma amputação do próprio jogo espontâneo. Por melhor que sejam as intenções de uma criação de sociedade e instrumentalizar esse feito, não é esse o interesse. Um agente do brincar não poderia ser platônico ao ponto de querer influenciar no brincar, e tomar esse ato como algo que deve ser direcionado. Nesse momento, encontro meu motor e fundamento: o jogo espontâneo como uma ação irruptiva. Sem precedentes. Uma rachadura num terreno dado. É fácil observar que estamos em um terreno minado, a sociedade tem leis e ordens pré-estabelecidas que nem sempre vão de encontro ao bem comum. Vivemos em mundo em que a ordem é o capital. O capital é a regra, é o que está dado. O que está posto responde a uma hierarquia que o favorece. Tempos atrás a ordem poderia ser a militar (como a Grécia antiga) ou a religiosa (como a Europa feudal) – há sempre um conjunto ordenado que nos impõe um estilo de sentir e viver a vida. Em contrapartida, há o brincar. Uma ação que vira as costas ao que está posto e traz em si uma fórmula nova. Claro que a ação se fixa em um lugar do tempo, no entanto, a experiência a gente carrega consigo. A experiência de uma regra nova, de uma racionalidade nova, de uma comunhão nova, de um sentir novo, o ser humano guarda. O mundo é um campo minado pelo capital e isso é um fato, mas não uma necessidade. Por isso o agente do brincar deve existir: criar lampejos de uma vivência outra. Por isso estamos juntos com as crianças (que ainda não estão suficientemente contaminadas com a vivência hegemônica ocidentalizada que o capital nos reserva). Contudo, se quisermos propagar um momento revolucionário, não podemos nos esquecer dos adultos. Também eles brincam, e, sobretudo eles precisam de uma irrupção em seu cotidiano. É pelo avesso da lógica imposta que deve existir o Agente do Brincar.

  • Brincar Livre e o desenvolvimento das crianças

    - Karol Romão Rodrigues Veroneze - A sociedade em que vivemos valoriza a superexposição de tudo o que se faz. E no caso das crianças a super valorização está focada no quanto a criança está ocupada com atividades que possam agregar na sua vida. Afinal, quanto mais atividades, mais “conhecimento" essa criança terá. E assim seu currículo já começará a ser lapidado precocemente. No entanto, a sociedade parece esquecer, ou simplesmente ignorar, como a infância é um dos períodos de maior aprendizado de uma pessoa. E o quanto essa fase pode ser transformadora na vida de qualquer ser. É notório que o nosso mundo está doente em diversos aspectos, mas também é fato que a mudança pode começar na simples atitude que temos com as crianças. Dar importância e oportunidade pelo livre brincar já seriam os primeiros passos para essa mudança? Ou só isso não bastaria? Mas para que qualquer transformação aconteça o primeiro passo precisaria ser dado, o livre brincar precisa ser mais valorizado e difundido, pois poucos realmente sabem o quanto ele pode agregar para a vida das crianças. Especialmente por estarem em uma fase de desenvolvimento. Por isso, inclusive, muitos médicos passaram a indicar “o brincar como um remédio” pois já foi comprovado que existem inúmeros benefícios. Em 2018, a Academia Americana de Pediatria ratificou essa tese com a publicação de um artigo científico, recomendando que a brincadeira é o melhor remédio para o desenvolvimento das crianças. Pois é por meio dela, de acordo com cada faixa etária, que conseguiremos promover o aprendizado de habilidades de cognição até as socioemocionais, além do aperfeiçoamento de habilidades motoras, entre outras, que trazem diversos estímulos importantes. Hoje em dia nós vemos cada vez mais as crianças deixando de brincar ao ar livre para ficar interagindo no celular ou jogando jogos na internet, tablet e outras mídias eletrônicas. Por mais que essas tecnologias façam parte das nossas vidas, nós não podemos permitir que elas prevaleçam (sob) sobre o tempo do brincar. Segundo dados apresentados pela Revista Crescer em 2019 “82% dos entrevistados pensam que os filhos brincam menos do que eles próprios quando eram crianças e 70% concordam que os pequenos não têm tempo suficiente para se divertir”. Fonte: Pesquisa Play Under Pressure (Brincar sob Pressão, em tradução livre), realizada pelo Museu das Crianças de Minnessota (EUA), com mais de mil pais e mães. Essa pesquisa exemplifica o quanto precisamos incentivar o brincar das crianças, dar oportunidade para que ela conheça o mundo por outras perspectivas, além do que é possível por meio de uma interação eletrônica/virtual. É claro que, em alguns momentos, o meio digital se faz necessário, como o que vivemos com a pandemia do coronavírus. Mas não podemos esquecer de que tudo é questão de equilíbrio. Saber dosar e organizar o tempo para criarmos uma rotina que foque também no brincar é essencial para o desenvolvimento infantil. E se não for possível ter esses momentos num ambiente como uma área verde ou parque, já que o contato com a natureza traz experiências riquíssimas, que pelo menos esses momentos possam permitir o explorar, o descobrir, o aprender e o experienciar. Afinal, a forma mais simples de uma criança aprender é brincando. A linguagem da criança é lúdica. Enquanto estamos nessa fase de isolamento social com as crianças em casa, a psicóloga Rosely Sayão sugeriu (em matéria para o Jornal Folha de São Paulo do dia 18 de março de 2020 – auge da pandemia do coronavírus) que soltar a imaginação e até transformar os afazeres domésticos em brincadeiras, seria uma oportunidade de brincarmos com as crianças. Além de ser mais uma brincadeira para tirar as crianças da frente das telas e proporcionar o brincar de outras formas, também promove a aprendizagem sobre a dinâmica da casa com ludicidade. O poder do brincar E foi acreditando no poder do brincar que a comunidade internacional deu início à trajetória do brincar como direito humano. Em 1959 institui-se a Declaração dos Direitos da Criança. Anos depois, mais precisamente em 1989, esse direito foi fortalecido com a Convenção dos Direitos da Criança. É por meio deste documento criado na Convenção que temos o artigo 31, que foca justamente no desenvolvimento infantil e o direito de brincar. Mesmo com essas diretrizes, ainda era preciso de mais incentivos públicos para tornar a corrente do brincar mais forte. Unindo esforços seria possível promover ainda mais discussões, reflexões e engajamentos, para assim criar propostas que visem ao direito das crianças. Com esse objetivo, os deputados trouxeram luz às questões como “envolver as crianças de até seis anos na formatação de políticas públicas, a ampliação da licença paternidade, além de também garantir o direito ao livre brincar, entre outros”. Assim foi criado o marco legal (lei 13.257 de 08 de março de 2016) com foco pela primeira infância – de 0 a 6 anos – que é tido como período em que as primeiras conexões neurais são formadas. Tudo o que se constrói nessa etapa da vida se refletirá nas ações deste adulto no futuro. Com essa lei, a ciência tornou-se aliada da causa, podendo assim, contribuir com a criação de projetos para o público infantil. Outro ponto a se considerar no poder do brincar está na necessidade de ouvir as nossas crianças. Mesmo em algumas faixas etárias em que a linguagem não está tão desenvolvida, o brincar permite a comunicação por outros métodos. E isso vai contribuindo para o relacionamentos dos pequenos com suas famílias, fortalecendo as relações com o primeiro núcleo social que pode, assim, trazer benefícios para todas as relações. Na pesquisa realizada pelas autoras Dodge, Janine e Carneiro, Maria Ângela, no livro “A descoberta do brincar”, foi possível constatar o quanto as crianças estão cada vez mais inertes, envolvidas com o estímulo da televisão e de videogames. Além disso, as próprias crianças tiveram oportunidade de relatar o quanto o brincar é primordial para elas e seus responsáveis não compreendem essa necessidade. Sendo que alguns adultos podem agir dessa forma por estarem focados, principalmente, nos seus trabalhos e obrigações. Por mais que as causas dessa questão possam ser inúmeras, é possível promovermos mudanças. Ao questionarmos nossas ações com as crianças já criamos uma onda pela transformação das nossas relações com nossos filhos, sobrinhos, alunos, etc. A tomada de atitude, dando oportunidade ao livre brincar e também auxiliar a criança na valorização desse momento, fará com que no futuro possamos ter relações mais saudáveis em nossa sociedade. Cada um de nós é responsável por plantar a semente do brincar, para assim despertamos a humanidade do efeito inconsciente que hipervaloriza a qualidade de um currículo precoce e atividades extras, em detrimento a todas as relações. Afinal, o poder do brincar transcende qualquer barreira e só tem a agregar no desenvolvimento infantil. Referências bibliográficas Artigo: O poder do brincar: um papel pediátrico na melhoria do desenvolvimento em crianças pequenas (Setembro de 2018) https://pediatrics.aappublications.org/content/142/3/e20182058 Acessado em 25/06/2020 Semana do Brincar – 41 Razões para o seu filho se divertir muito (Matéria de 31 de maio de 2019) https://revistacrescer.globo.com/noticia/2019/05/semana-do-brincar-41-razoes-para-o-seu-filho-se-divertir-muito.html Acessado em 05/06/2020 Inventar brincadeiras com crianças é saída em isolamento por coronavírus (Matéria de 18 de março de 2020) https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/inventar-brincadeiras-com-criancas-e-remedio-em-isolamento-por-coronavirus.shtml Acessado em 18/03/2020 Artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança: O desenvolvimento infantil e o direito de brincar. https://7fc4ffee-1c11-43f3-8e6b-7da2d2cfe9f6.filesusr.com/ugd/fb1026_ae832086bbd64020b941d0086c493012.pdf Acessado em 10/06/2020 Marco Legal da Primeira Infância https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/impacto/marco-legal/ Acessado em 05/06/2020 A descoberta do brincar. Dodje, Janine; Carneiro, Maria Angela. http://midiaomo.fbiz.com.br/locales/pt-BR/download/a-descoberta-do-brincar-livro2008.pdf

  • O brinquedo e construção de mundos

    - CAROLINE FUKUMOTO - Segundo o Dicionário Houaiss, o verbete brinquedo significa objeto de brincar, mas também se refere a jogo, distração. Entretanto, para melhor compreensão trazemos a fala de Gilles Brougére no que diz respeito à brincadeira, A função do brinquedo é a brincadeira. Mas, desse modo, definimos um uso preciso. A brincadeira não pertence à ordem do não funcional. Por detrás da brincadeira, é muito difícil descobrir uma função que poderíamos descrever com precisão: a brincadeira escapa a qualquer função precisa e é, sem dúvida, esse fato que a definiu, tradicionalmente, em torno das ideias de gratuidade e até de futilidade. E na verdade, o que caracteriza a brincadeira é que ela pode fabricar seus objetos, em especial, desviando de seu uso habitual os objetos que cercam a criança, além do mais, é uma atividade livre que não pode ser delimitada. Ainda de acordo com o pesquisador Gilles Brougére (2010) há uma distinção entre brinquedo e jogo. O jogo possui uma função específica, como por exemplo, o princípio de construção (encaixe e montagem) para peças de um jogo de construção. Por outro lado, o brinquedo é um “objeto que a criança manipula livremente sem estar condicionado às regras ou a princípios de utilização de outra natureza”. O brinquedo é relacionado a um objeto infantil, enquanto o jogo pode ser relacionado a crianças e adultos. “Os objetos lúdicos dos adultos são chamados exclusivamente de jogos, assim pela sua função lúdica”. De acordo com Daniela Girotto (2013), o brinquedo foi se modificando com o passar dos séculos. Ele passou de ritualístico e sagrado para as festas do cotidiano mais relacionado ao momento de lazer e diversão das crianças. Ele deixou de ser manufaturado artesanalmente e transmitido de geração em geração, os brinquedos passam a ser industrializados e incorporar aspectos tecnológicos em alguns casos. Nesse contexto, o brinquedo pode servir para exercitar algumas competências necessárias a uma sociedade ou pode servir ao entretenimento. Alguns brinquedos atuais são objetos de diversão, entretenimento, conhecimento, relação da criança com o mundo, é como se o brinquedo fosse completo, mas sabemos da necessidade de aprender a brincar com o outro. Aprendemos a brincar com nossos pais, e nossas brincadeiras estão dentro de um contexto cultural de uma determinada sociedade. Por esta razão achamos importante destacar um parágrafo do texto de Daniela Girotto que explica o que é humanização Humanização aqui refere-se ao aculturamento, à civilidade, à capacidade de relacionar-se e identificar-se com os outros de seu entorno, compreendendo seus valores, suas regras e fazendo parte de um grupo social. Para isso é preciso o convívio em diferentes grupos, seja família ou a escola, a constituição de relações significativas suficientemente duradouras e profundas. Acreditamos que o brincar pode proporcionar essa humanização as crianças para que se tornem adultos saudáveis, contribuindo para formação de uma sociedade mais sadia. O brincar pode ser uma forma de curar muitos males modernos, a brincadeira também pode ser considerada uma forma de revolução da criança - menção da fala de Lygia Hortélio no filme Tarja Branca. Tipos de brinquedos A partir de pesquisa levantamos a existência de muitos tipos de brinquedo. São inúmeras possibilidades de categorização. A seguir indicaremos o nome da categoria, breve descrição e fonte. Jogos x brinquedo (Gilles Brougére) O jogo possui regras e o brinquedo pode ser manipulado livremente. Jogos de escolha (Adriana Klisys) São formas de decidir quem começa um jogo. Ex: Lá em cima do piano, par ou ímpar, jô quem pô etc. Jogos de faz de conta (Adriana Klisys) Jogo inventado pela criança caracterizado pela capacidade de representar, simbolizar. Faz de conta que eu era uma fada, bruxa, princesa etc. Ex: um saquinho de leite ser um bebê. Jogos de habilidade e destreza (Adriana Klisys) Jogos relacionados à construção e aperfeiçoamento de suas habilidades motoras e relacionais. Ex: pular elástico, corda, jogar pião e bolinha de gude etc. Jogos de tabuleiro, dados e cartas (Adriana Klisys) São jogos que utilizam objetos como tabuleiro, dados e cartas para seu desenvolvimento entre os participantes. Curiosidades: O jogo mancala é o provável antecessor de todos os jogos de tabuleiro. Xadrez e dama são passatempos medievais. Os jogos tinham um caráter divinatório e religioso de comunicação com os deuses. Atualmente o dado de seis faces tem um padrão de fabricação e é utilizado como componente fundamental de vários jogos. A referência mais antiga encontrada a respeito de jogo de cartas ocorreu na dinastia Tang chinesa (618-907) Brinquedo com materiais da natureza (Adelsin) São brinquedos inventados utilizando recursos disponíveis na natureza. Ex: um sabugo de milho que vira boneca ou um capim que vira flecha. Brinquedo com materiais reaproveitados (Talita Dias Miranda e Silva) São brinquedos confeccionados com materiais como garrafa pet, jornal e outros materiais. Brinquedos com materiais não estruturados (Labrimp da Feusp) São brinquedos que podem ser inventados utilizando os materiais não estruturados. Tais como: cones, carretéis, madeiras, caixas de papelão, conduítes, tecidos, elásticos, pneus, elementos da natureza, entre outros. Brinquedos silentes (Lygia Hortélio) Os brinquedos silentes acontecem no silêncio. Exemplos: amarelinha, jogo de bolinha de gude, ou brinquedo de papagaio Brinquedos sonorosos (Lygia Hortélio) Os brinquedos sonorosos são aqueles cuja ação é movida pelo som. Exemplos: parlenda, cantilena e cantiga, como por exemplo, uni duni tê, uma velha, muito velha, Senhora Dona Sancha ou noTrês, três passará. Há distinções dentro dessa categoria: brinquedos cantados e brinquedos ritmados. Os brinquedos cantados são aqueles que têm uma cantiga (acalantos, brincadeiras de escolha, brincadeira de roda etc). Os brinquedos ritmados são regidos pelo impulso dos ritmos das palavras (corda, elástico, mão etc). Além desses, há algumas variações como, por exemplo: brinquedos rítmicos melódicos e brinquedo melódico ritmado. A diferença está na ênfase maior ou menor no teor da melodia ou de ritmo. Segundo Lygia Hortélio é possível perceber a sequência cronológica de ocorrência dos brinquedos sonorosos na vida de uma criança ao longo do tempo – canções de ninar, brincos ou brinquedos com os pequeninos, brinquedo dos pequenos, brinquedos dos maiores, as rodas de verso, brinquedos tradicionais e da Cultura contemporânea, histórias cantadas ou cantigas. Os brinquedos sonorosos constituem o repertório da Música Tradicional da Infância- Música da Cultura Infantil Brasileira, que deve ser valorizada! Brinquedos cantados ou Brincadeira Cantada (Maristela Loureiro e Ana Tatit) As autoras apontam algumas opções de brincadeiras cantadas diferentes das brincadeiras citadas por Lygia Hortélio. São elas: acumulativas, cânones, desafios rítmico e melódico, quodlibet- combinação de melodias populares cantadas simultaneamente, canções que falam de animais, de medo, canções de ninar, de festas e danças brasileiras. Ex de acumulativas: fui visitar minha tia em Marrocos. https://www.youtube.com/watch?v=_aRInh49Doc Ex de cânones: chaá,a,a. https://www.youtube.com/watch?v=Y8NsLEVnPyw Ex de quodlibet: bão, balalão, boi da cara preta e marcha soldado. Ex de canções que falam de animais: xô meu sabiá Ex de canções de medo: murucututu. https://www.youtube.com/watch?v=TkAT_sq6pZU Ex de festas e danças brasileiras: ciranda https://www.youtube.com/watch?v=uZu8SNQtihM Referências bibliográficas ADELSIN. Barangandão Natureza. Ed. Peirópolis, 2013. BROUGÉRE, Gilles. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 2010. KLISYS, Adriana. Quer jogar? São Paulo: Edições SESC SP, 2010. LOUREIRO, Maristela; TATIT, Ana. Brincadeiras cantadas de cá e de lá. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2013 (Brinco e Canto). SILVA, Lucilene. Eu vi as três meninas: música tradicional da infância na Aldeia de Carapicuíba. Carapicuíba, SP: Zerinho ou Um. 2014. SILVA, Talita Dias Miranda e. Brincando de construir bonecos com sucata e papelagem. PONTÃO DE CULTURA. FE-USP, 2009. Link consultado em 12/12/19 Tarja Branca http://www.adorocinema.com/filmes/filme-229187/trailer-19538718/

  • Tornar-me pai

    - Emanoel Junior - Para ter caráter... Para. Ter, cara? Ser caráter. Ser pai é ser pater para a eternidade. Paternidade, tem data para começar e não tem para terminar. No parto, unidade. Até o limite de nossos corpos. Porque é ali e só ali que um homem vai ver com os próprios olhos, a oportunidade de perceber seu lugar no universo. Quando Deus pensou na reprodução do ser humano, sabia que nós, homens, não seríamos capazes de ver outro ser humano saindo de nós. Não à toa, retirou a costela para dar vida a Eva enquanto Adão dormia. Eu confesso que já estava assustado apenas com o som do cano de sucção que drenava a barriga da mãe, mas no momento que Caetano soltou de seu abrigo e saltou aos meus olhos, encontrei minha “causa vita”. Eu não teria mais tempo para ser “só” o Emanoel. Seria o exemplo de caráter daquela alma todos os dias, para sempre. Daquele segundo (das 10:14 de 5 de agosto) em diante, todos os desafios da paternidade se impuseram. Sem tempo para pestanejar. Ele saiu da sala de parto direto para o oxigênio. Do oxigênio para a unidade de terapia intensiva, da cidade vizinha. Esperto, agora pode falar que viaja desde o primeiro dia de vida. O fato de uma criança ser gestada, única e exclusivamente, pela mulher proporciona o fenômeno mais próximo do amor puro, a maternidade. Mas esse mesmo fato coloca o companheiro ou companheira, que não recebe essa dádiva, em uma posição complexa, por igual. Não passar, de forma corpórea, os processos de mudança que a vida sem filhos vai sofrer, faz com que essa tentativa ocorra “apenas” psicologicamente. Durante os 9 meses, tentamos nos convencer de que vai ser diferente. Não se sabe como, mas vai ser. E quando o é, ficamos surpresos e estarrecidos, como eu fiquei. Mas aquele movimento brusco, de ida a uma unidade de terapia intensiva, me pressionou a responder, com a mesma ou maior intensidade e velocidade. O temor de perder aquele "sentido da vida", que havia encontrado na sala de parto, que me fez gestar o Caetano. Durante suas duas primeiras semanas de vida, estive ao seu lado por todas as horas que pude. Limpei, alimentei, cantei, pensei. O amor avassalador que descobri haver dentro de mim, trazia-me sentido, até biológico. Assim, como o corpo da mãe libera nutrientes ao longo dos 9 meses, para que esteja pronto para o parto, meu corpo se retroalimentava desse amor para resistir a dores e medos que me afligiram naqueles 15 dias de UTI. Saudável, ele recebeu alta. E saímos rumo ao futuro.

  • BRINCANDO COM TARSILA

    - Gabriela de Carvalho Santos - Na minha experiência, o museus, sempre foram locais calmos e silenciosos. Onde para se comunicar é necessário falar baixo e apenas admirar as obras de arte. Consequentemente, o ambiente acabava tornando-se entediante para as crianças. Precisaria ser um passeio completamente monótono e sem diversão? Mas e se “desconstruíssemos” essa ideia e tentássemos algo diferente e animado? Em uma visita ao MASP, na exposição das obras de arte da modernista Tarsila do Amaral, restou uma experiência completamente nostálgica e emocionante, pois as obras da artista trouxeram muitas lembranças da época de escola. Mais precisamente do primário, onde uma das tarefas na aula de Arte era elaborar uma pintura baseada nas obras da modernista. Durante a visita, houve a ideia de brincar do Jogo da Memória juntamente aos quadros. Foram escolhidas algumas pinturas e a tarefa era as observar por alguns segundos e depois tentar lembrar alguns detalhes que o amigo perguntava sobre os referidos quadros. A título de exemplo, na obra “Morro da Favela” foi perguntado o seguinte: Quantas casas rosas haviam; quantas árvores; qual era a cor da casa localizada ao centro; quantas pessoas haviam; e assim por diante. Isso foi feito com quatro pinturas e se tornou uma experiência muito divertida e engraçada. Lá também possui duas escadas paralelas, então junto com uma amiga, foi apostado quem chegava mais rápido até o topo da escada subindo com as pontas dos pés. Foi uma brincadeira cansativa, porém muito cômica. Com isso, é possível observar que o brincar e a diversão pode acontecer sim em um museu, ou em outros lugares, mas sempre respeitando o espaço das pessoas e sem incomodar, assim a brincadeira se torna praticável e saudável.

  • A LEITURA FAZ PARTE DA BRINCADEIRA

    - MAISA NOBRE LIMA PEREIRA VIANA - Leitura A leitura é um ato de representação e simbolização do mundo. A leitura nos proporciona construir um sentido próprio, nos ver, pensar e repensar o mundo. Lemos utilizando linguagem verbal através de palavras como também utilizamos linguagem não verbal, através de imagens, fotografias, obras de arte, música, entre outros. E é através da leitura que vamos nos relacionando com o mundo. Nos tornando seres sociais que dialogam, interagem, interrogam e questionam. Conforme afirma Paulo Freire: A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 1989, p.9) A experiência da leitura nos coloca no lugar do outro, (nos forma) contribui para nos formar cidadãos mais empáticos, pois nos confronta com a experiência do outro. Ler nos move e nos ensina, também nos atravessa e nos faz compreender o mundo. É por meio da leitura que extraímos informações as transformando em conhecimento. O conhecimento nos permite fazer relações entre situações nos tornando cidadãos críticos, autônomos. A leitura é parte do processo de comunicação cotidiana, que envolve interações e trocas sociais, fomentada em situações diversas expressas pela memória, cultura, tradições e contextos sociais. É imprescindível lembrar que o leitor ressignifica o que lê, ou seja o mesmo texto lido pode trazer novos significados, enriquecendo a experiência leitora. A leitura é um ato dialógico, de apropriação, plural, libertária, emancipatória, não deve ser imposta; é provocação e está sempre em construção. A mediação de leitura Precisamos conectar pessoas e textos, levando em consideração a participação efetiva e a história de vida do leitor. A mediação efetua essa ponte entre o mediador e o leitor, com o texto, a história e o ouvinte. Jouve (2002) salienta que o “charme da leitura” advém das emoções. Leitores amam, admiram ou mesmo odeiam personagens das obras que leem, criando relações afetivas e pessoais (componente importante da leitura literária). O desafio de mediar a leitura está na conectividade que o mediador faz entre a importância das formas de linguagens e seus leitores. O mediador é um facilitador da criação das relações afetivas. Ele traz simbologia ao texto onde o leitor confronta suas experiências pessoas, sua cultura, seus valores com o experimento da leitura. O mediador direciona os argumentos incentivando que o leitor argumente, discorde, concorde, questione e reflita. O mediador traz novas descobertas e novos contextos para a pratica leitora, de forma cognitiva. O mediador em sua prática auxilia a formar cidadãos críticos. Ezequiel Theodoro da Silva ressalta que um leitor crítico adentra um texto desejando compreender as circunstâncias, as razões e os desafios sociais permitidos ou não por este texto (SILVA, 2002). Além da ambiência, é necessário múltiplas vozes e narrativas. O papel da palavra, da voz e da leitura é fundamental para a criação de vínculos de afeto e de acolhimento. A mediação de leitura pode ocorrer (de) em diversas ambiências, como bibliotecas, praças, museus, centros culturais, uma sala, nas varandas, parques. O importante é considerar um lugar que oportunize o ato da leitura de forma confortável e acessível, que gere aproximação e criação de laços. Com muita disponibilidade, generosidade, carinho, paciência, respeito, atenção, escuta, pode-se estimular a proximidade com os livros e a leitura. O ato da mediação de leitura é artístico, é humanitário, é poesia e é música também. O mediador deve estar atento à leitura inclusiva tornando a experiência da mediação acessível à todos. O que não se pode deixar de fazer é deixar de ler e construir vínculos de afeto e acolhimento. A leitura na primeira infância Até o século XVII, a infância não possuía uma identidade quanto às práticas sociais. Quem diz isso é o historiador francês, Philippe Ariès (1914-1984). Imagine, então, como seria esse tempo em que a vida da criança em quase nada diferia da do adulto, junto a quem partilhava seu dia a dia, desenvolvendo atividades de trabalho e de lazer. Esse quadro somente vai mudar com a invenção da família burguesa, que passou a cultivar o que Ariès define como “sentimento da infância”, uma espécie de “paparicação” decorrente do fato de que a criança, “por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e relaxamento para o adulto.” (Ariès, 1981, p. 158). Atualmente as crianças ganharam cidadania, são reconhecidas como sujeitos de direitos e que possuem necessidades próprias. A criança é percebida por suas capacidades e potências. Crianças são inteligentes e diversas, possuem uma capacidade de aprendizado desde muito pequenas. De 0 a 3 anos são construídas 90% das sinapses que farão partes do circuito permanente do cérebro. Relações de cuidado, afeto, acolhimento estão diretamente relacionados ao seu desenvolvimento psíquico. A primeira infância, dos 0 aos 6 anos de idade, é cada vez mais reconhecida como uma das fases mais importantes da vida, pois traz a noção da descoberta, do aprendizado. É um período decisivo para o desenvolvimento integral e saudável da criança. Neste período a criança deve ser estimulada nas mais diversas formas de brincar, inclusive utilizando das mais diversas linguagens. Antes mesmo de nascer as crianças já reconhecem estímulos geralmente emitidos pelos pais, como a voz. Daí a importância da voz que embala, que brinca, que canta. A partir desta voz a criança faz suas primeiras leituras do mundo. Toda criança que nasce precisa ser apresentada ao mundo e uma forma de apresentarmos o mundo para as crianças é através das artes, da literatura, é através das brincadeiras com as palavras, através das cantigas, de imagens. De acordo com María Emilia López, no livro “Um mundo aberto – Cultura e primeira infância”: A primeira infância é a etapa da vida em que se aprende a simbolizar, e simbolizar é a base da experiência de pensamento. Sem brincar, sem cantar, sem ler ou ouvir histórias ficcionais é difícil enriquecer a capacidade de pensar. Que lugar conferimos à palavra lúdica e poética, à leitura e à presença dos livros na vida das crianças é uma questão sobre a capacidade de pensamento de uma sociedade, por sua habilidade para inventar e reverter o estado das coisas". Ainda no mesmo livro Yolanda Reyes, estudiosa sobre leitura para os pequeninos, entende que, mais importante do que cercar a criança de livros, é a interação mãe-filho no processo da iniciação ao mundo da literatura. Segundo ela: “Tudo começa pela audição. Depois vão surgindo outras maneiras de ler e de interagir com as palavras. (...) Em seguida, esse bebê já pode sentar e olhar algo além do rosto dos adultos. A página do livro nasce diante de seus olhos. Ele, então, interage com a mancha de texto, com as ilustrações, com o papel. É quando surge o que chamo de triângulo amoroso. A criança está sentada no colo de alguém que ama, posicionada entre o livro e o corpo desse adulto. O bebê enxerga o livro, mas a leitura é guiada pela voz do outro. Pelo mesmo som que ele já conhece. É um outro momento. Pouco a pouco, surgem mais palavras, mais imagens e a narrativa caminha cada vez para mais longe”. As crianças precisam de muitas histórias, pois é esta a via de enfrentamento do mundo, a via de tratar os conflitos internos já que a maturidade em decifrar seus sentimentos ainda está em formação. É neste sentido que a criança sente a necessidade de ouvir a mesma história repetidas vezes, pois existe a possibilidade de estar maturando/decifrando alguma angústia, algum conflito. Assim é necessário investir na mediação da leitura com muita generosidade, afeto e paciência. Um mediador não deve questionar o entendimento da criança com texto mediado. A leitura não deve ser um exercício de avaliação. Cada criança tem seu tempo e sua maturação. A leitura deve ser entendida como um brincar, sem cobranças, sem instrumentalização, sem avaliações. Deve ser leve, fruída, sensível, divertida e libertária. Não há temas-tabus nos livros, a seleção vai depender do bom senso do mediador em argumentar e explorar as questões apresentadas nos livros. Livros não têm faixa etária, um bom livro pode ser apropriado por qualquer leitor. Optar pelos livros clássicos sempre enriquece o imaginário do leitor. Devemos ler para uma criança para fortalecer o vínculo entre adulto e criança. Desenvolver concentração, a memória, o raciocínio, a atenção e o vocabulário. Estimular a criatividade, a imaginação, a curiosidade. Aprender a lidar com os sentimentos e emoções. A conhecer mais as pessoas e o mundo. Trabalhar a escuta e o tempo, auxiliando no desenvolvimento da capacidade de colocar-se no lugar do outro. Desenvolver responsabilidades, amabilidade e minimizar problemas comportamentais. Desenvolver a linguagem oral. O brincar através de leitura A literatura, jogos de mão, jogos corporais, as cantigas de ninar, as cantigas de roda e diversas brincadeiras, são ferramentas para articular melhor as ideias e, relacionadas à primeira infância, dão suporte à criança nas diversas relações de convívio social e respostas para os conflitos mais subjetivos. Assim entendemos que as palavras são os primeiros objetos do brincar. As parlendas, as quadrinhas, a poesia, trava-línguas são as primeiras formas apresentadas às crianças vide a melodia, a sonoridade que carregam. A oferta de livros-brinquedo também é vasta e aguça a curiosidade das crianças. Há livros de material resistente à agua, para que a leitura acompanhe um bom banho. Há livros-travesseiro, daí a leitura acompanhará o sono. Livros com dispositivos sonoros que reproduzem os sons da natureza, dos animais. Falando da fragilidade de seus livros, em entrevista à Revista Emília, o grande autor e ilustrador japonês Katsumi Komagata afirma: "Faço livros sensíveis porque sempre quis mostrar para minha filha que as coisas são finitas. No geral, as pessoas tentam dar as coisas mais duráveis para as crianças brincarem. Óbvio que se for muito sensível, não vai ser útil. No entanto, é importante que as crianças aprendam que as coisas quebram e se destroem e que nós temos de aprender a cuidar delas com delicadeza. Se uma página é rasgada por uma criança, dá para consertar usando fita adesiva ou cola. E assim a criança vai aprender que precisa ter mais cuidado se não quiser estragar aquilo. Com pessoas também é assim. Somos sensíveis e nos machucamos, então precisamos saber nos comunicar e entender um ao outro". Gostar de ler está relacionado ao brincar com os sons, com as palavras, com as imagens, com as texturas, com as mais diversas possibilidades de se apropriar da leitura. A leitura pode ser uma aventura, uma distração, uma descoberta e pode ser sobretudo sensível. Leia para uma criança. Referências ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Tradução Dora Flaskman. 2. ed. Rio de Janeiro: LCT, 2012. FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989. LÓPEZ, María Emília. “A emancipação dos bebês leitores.” In: Caderno Emília nº 1. 10 de maio de 2018 LOPEZ, Maria Emília. Um mundo aberto: Cultura e primeira infância. São Paulo: Selo Emília, 2016. JOUVE, Vincent. A leitura. São Paulo: Unesp, 2002. SILVA, Ezequiel Theodoro da. Criticidade e leitura. Campinas: Mercado de Letras, 2002.

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