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Brincando e arriscando

- Laís Centeno Franco -


Na maioria das escolas atualmente, é comum se ver pátios pequenos, com diversos brinquedos de plástico e grama artificial, não havendo a possibilidade de subir, escalar ou correr, pois não se quer risco algum. Frases como “desce daí, é perigoso”, “você pode se machucar” “não é pra brincar ali” quando é hora do parque nas escolas, ou até mesmo nos parques e praças da cidade se tornaram rotineiras. Mas será que ao dizê-las os adultos estão mesmo protegendo? Ou estão impedindo as crianças de vivenciarem novas experiências e se desafiar?

O risco é muitas vezes compreendido como algo que deve ser removido, eliminado a todo custo, pois só assim a criança teria um brincar saudável, de qualidade, sem perigos. Mas é preciso fazer uma distinção entre o risco real e o risco percebido; o primeiro envolve consequências graves, por exemplo deixar uma criança que não sabe nadar sozinha ao lado de uma piscina, enquanto o segundo envolve uma possibilidade de um machucado, mas sem consequências graves, como ralar o joelho ao cair da bicicleta. Ao ser feita essa distinção, percebe-se que os riscos muitas vezes podem benéficos e se dá oportunidades para que as crianças os assumam, contribuindo para um desenvolvimento saudável.



Essa é uma tarefa que os professores(as) devem fazer, ou seja, é preciso que eles(as) enxerguem não só os malefícios, mas também os benefícios associados aos riscos no brincar e assim, oferecer um ambiente estimulante e desafiador às crianças. Estas, são naturalmente curiosas, têm um desejo de vivenciar experiências, explorar e compreender como o mundo funciona e para isso, precisam de um ambiente que as ajude nessas descobertas. Quando se arredonda as quinas dos móveis em casa, se coloca plástico bolha em objetos pontudos, coloca-se grama artificial nos parques, é tirado das crianças uma chance valiosa de aprender e interagir com as coisas e objetos que existem ao seu redor.

Ao proporcionar um espaço seguro, mas que ao mesmo tempo tenha riscos (no sentido benéfico), os adultos dão oportunidade para que as crianças se desafiem, desenvolvam capacidades físicas e emocionais, conheçam o mundo se percebam como parte integrante dele e conheçam seus limites e possibilidades. A declaração High Level Statement from the Health and Safety Executive mostra que ao se planejar e oferecer oportunidades de brincar, o objetivo não é eliminar os riscos, mas ponderar os riscos e os benefícios, até porque nenhuma criança aprenderá sobre riscos se for envolvida em algodão. Ainda sobre isso, têm-se na Declaração de Ubud-Höör que “Como o mundo está cheio de riscos, as crianças precisam aprender a reconhecer e responder a eles, a fim de se proteger e desenvolver suas próprias capacidades de avaliação de riscos."; os riscos estão presentes durante toda nossa vida e saber que eles existem e aprender a lidar com eles é fundamental para que as crianças tenham mais segurança, confiança, superem desafios e consigam brincar com mais liberdade e criatividade.

Quando se fala em risco, não é no sentido de deixar as crianças sozinhas, sem a supervisão de um adulto, expostas a acidentes ou colocar suas vidas em perigo e sim, deixar que elas experimentem e vivenciem situações novas, possam se desafiar e explorar o espaço livremente, mas sempre com a supervisão de um adulto e a nossa casa é o melhor lugar para isso. Quando se está aprendendo a andar, é normal cair no começo, mas mesmo assim é preciso continuar tentando e arriscando, pois só deste modo há o aprendizado; assim ocorre com o brincar e seus riscos, ou seja, se não se arriscar de vez em quando, vai ser muito difícil lidar com os desafios depois, entra-se numa zona de conforto, o que não é recomendável, pois a vida é repleta de desafios e é preciso saber enfrentá-los.

Ao pensar um espaço para brincadeiras, é preciso analisar os perigos ali existem e para isso algumas perguntas precisam ser feitas, como quais perigos podem ser aceitáveis ou desejáveis, devido aos seus benefícios para crianças e jovens? Quais perigos precisam ser modificados ou removidos? pois não se quer expor as crianças à riscos graves e sim dar oportunidade para que elas conheçam, se desafiem, descubram, se desenvolvam e vivam experiências novas e saudáveis. Tem muita coisa para fazer em casa fora assistir TV, jogar videogame ou fazer coisas no Tablet e celular. A casa é um mundo a ser explorado!


Tim Gill em seu livro “Equilibrando riscos e benefícios de aprendizagem" mostra um exemplo prático na hora de se avaliar os riscos e benefícios nas atividades, que pode servir de exemplo quando se planeja um espaço ou quando há o desejo de colocar brinquedos novos no mesmo; é preciso analisar o que, para quem, balancear os riscos, seus benefícios e malefícios, para assim implementar ou não brinquedos no ambiente ou propor atividades em locais mais arriscados.

É comum nos parques das escolas ouvir professores(as) dizendo às crianças como elas devem brincar, ou seja, que devem ficar sentadas na hora de balançar, não subir no escorregador pela parte que desce, não colocar o pé para fora no gira-gira e muitas outras regras. Os adultos acabam tendo uma visão única, objetiva, apenas para a função do objeto, enquanto as crianças vão além, querem explorar as diversas formas de brincar, inventar novas maneiras de utilizar o objeto, não olhando apenas para sua função, mas também para suas múltiplas possibilidades.

Sendo assim, é tarefa dos cuidadores é evitar restrições desnecessárias sobre o uso do espaço, oferecer um ambiente onde as crianças se sintam seguras e possam ser livres, criativas, se desafiar e perceber seu papel e não esquecer de sempre observá-las para que não estejam expostas a riscos reais.

As características de um espaço rico para o brincar livre envolvem a diversidade de materiais, relevos, peças não estruturadas como galhos e folhas e também os riscos. Se as crianças estão ao ar livre, em contato com a natureza e não puderem conhecer, explorar e tocar, não vão conseguir apreciar. São nesses momentos que há o maior aprendizado, a conquista da autonomia, descobertas, experiências multissensoriais e o sentimento de pertencimento ao mundo. Porém, o tempo destinado à isso está ficando mais raro; os pequenos passam cada vez mais tempo na sala de aula, em casa assistindo tv ou mexendo no celular, deixando de conhecer e vivenciar uma gama de experiências dispostas por todo lado.

Deste modo, estão sendo retirados seu direito de brincar livremente, de se desafiar, se arriscar, o que é de extrema importância na infância e durante toda vida. Estamos expostos a milhares de desafios e obstáculos nos nossos percursos e se não aprendemos a lidar com eles quando crianças, dificilmente conseguiremos lidar quando adultos. Portanto, é preciso dar oportunidade para que as crianças vivenciam coisas novas, brinquem com materiais pontiagudos, lidem com fogo, possam brincar da forma que quiserem, pois só assim conhecerão seus limites e possibilidades, como as coisas funcionam e se tornarão mais seguras e confiantes.



Não se deve restringir suas possibilidades por medo dos riscos, mas sim apresentá-las e junto com os pequenos descobrir coisas novas todos os dias. É usual que “negligenciamos processos essenciais em respeito à segurança, e damos as mãos ao medo e o assumimos como protagonista.” (MEIRELLES, 2018), mas é preciso combater essa cultura do medo e favorecer transformações, conquistas, descobertas e aprendizados à todos, principalmente às crianças.


REFERÊNCIAS:


BENTO, Maria Gabriela Portugal. Arriscar ao brincar: análise das percepções de risco em relação ao brincar num grupo de educadoras de infância. Revista Brasileira de Educação, [s. l.], v. 22, ed. 69, p. 385-403, abr-jun. 2017.


GILL, Tim. Equilibrando riscos e benefícios de aprendizagem e brincadeiras ao ar livre Instruções para professores e profissionais trabalhando com crianças. Dia de aprender brincando. Disponível em: < https://diadeaprenderbrincando.org.br/wp-content/uploads/sites/6/2016/10/160428_PROJECTDIRT_OCD_BOOK7_BALANCING_RISK_A4_Brazil.pdf>. Acesso em: 11 de nov. de 2019.


INTERNATIONAL SCHOOL GROUNDS. International school grounds, 2014. Risk in Play and Learning: Ubud-Höör Declaration. Disponível em < http://www.internationalschoolgrounds.org/risk>. Acesso em: 11 de nov. de 2019.


MEIRELLES, Renata. Renata Meirelles: ‘precisamos falar sobre o brincar com fogo’. Lunetas, 2018. Disponível em: <https://lunetas.com.br/renata-meirelles-precisamos-falar-sobre-o-brincar-com-fogo/>. Acesso em: 11 de nov. de 2019.


PLAY WALES CHWARAE CYMRU. Play Wales. Página inicial. Disponível em: < https://www.playwales.org.uk/eng/>. Acesso em: 11 de nov. de 2019

SQUARE SPACE.

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