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Ei, vamos brincar?

- Ellen Nicolau -


Não tenho tempo pra esperar a hora

Tem que ser aqui tem ser que agora

Agora não, já

(Trecho de ‘Eu sou um bebezinho’, Palavra Cantada)


É do desejo do outro como fundamental que nasce um convite. Através do outro, brincamos para mudar o nosso redor e o nosso eu. Nos desafiamos, abrimos, experimentamos. Nos colocamos em risco pela descoberta. De nós e de mais alguém. Partimos para ser outro. Mudamos.

Das diversas concepções do tempo e do brincar abarcadas pelas sociedades contemporâneas, os marcos trazidos do século XVIII pela Revolução Industrial são indiscutíveis e nos parece também incontestável a necessidade de mais tempo para o brincar, visto hoje, como direito e com certa naturalidade na qual os jogos estabelecidos através deste inserem-se em análises que “procuram determinar a natureza e o significado do jogo, atribuindo-lhe um lugar no sistema da vida” (HUIZINGA, 2008, p. 4) e na significâncias de sua realização.

No espectro das relações humanas, ao pautarem-se pelo tempo do relógio e da produção, a experiência do brincar foi inserida nesta mesma lógica. Da participação de crianças no mundo do trabalho como parte integral da vida a sua inserção à ambientes específicos do brincar como parte da rotina dos adultos, a relação entre diferentes tempos e possibilidades de vivê-los muda historicamente e é intrínseca a perspectivas de classe social. Assim, pergunta-se, o que significa brincar na diversidade? Ou melhor, o que significa o brincar na desigualdade? Diante de diferentes definições do brincar, buscamos refletir acerca de como as desigualdades de classe social se expressam no brincar.

No Brasil a reorganização da vida social como processo constante no ciclo das desigualdades faz com que as crianças pensem as suas percepções do brincar através do lugar social que ocupam. Seus desejos e necessidades fazem parte da organização de suas percepções de acordo com suas perspectivas de classe e configuram o brincar como mecanismo de fundamental importância na superação das desigualdades e na apropriação de heranças históricas e culturais que favorecem as condições de aprendizagem e sociabilidade.

Ao nos indagarmos se é possível democratizar o brincar na sociedade capitalista, estamos diante das interações históricas entre os filhos de ‘patrão’ e ‘empregada’, de ‘aluno bolsista’ e ‘aluno pagante’, de quem brinca na praça e de quem mora na praça...Essas experiências configuram o brincar como meio de aproximação, diversidade e superação pois o indivíduo que brinca torna-se sensível às mudanças advindas a partir da brincadeira, na qual os ajustes entre realidade e possibilidade se dão efetivamente. É através da organização do brincar pelas crianças de acordo com sua cultura que o exercício de suas potencialidades se efetiva.

Da imaginação como fruto do brincar, surgem as mais diferentes possibilidades. O brincar com materiais diversos, considerados não estruturados, esteve intrínseco às vivências das mais diferentes crianças. Seja do lençol que vira casa, do milho que vira boneca, da meia que vira bola às folhas que se tornam comidinha, a criatividade humana em transformar o seu redor de acordo com suas necessidades permeia os mais diversos grupos e faz com que a brincadeira se torne linguagem e ferramenta de comunicação, aproximação e interação.

Assim, cabem os desafios voltados a democratização do brincar por parte de seus profissionais e a inserção da criança nos processos democráticos através de seus direitos como nos mostra o artigo 12 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e de suas capacidades de escolha. Dentre os desafios empenhados nas lutas de combate às desigualdades sociais que atingem as crianças, é através desta transformação, que a brincadeira se reflete como possibilidade na construção de outros mundos possíveis e o brincar como exercício de resistência à opressão.


Algumas inspirações...


ARENHART, Deise. Entre a favela e o castelo: efeitos de geração e classe em culturas infantis. Tese (doutorado em educação). Faculdade de Educação, UFF, 2012.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o Jogo como Elemento na Cultura (1938). São Paulo: Perspectiva, 2008.

PFEIFER, Luzia Iara. ROMBE, Patrícia Gonçalves. SANTOS, Jair Licio Ferreira. A influência socieconômica e cultural no brincar de pré-escolares. In Paideia. maio-ago. 2009, Vol. 19, No. 43, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/paideia/v19n43/12.pdf . Acesso em maio de 2019.

SILVA, Manuel Carlos. Classes sociais: condição objetiva, identidade e ação colectiva. Ribeirão/Portugal: ed. Húmus, Universidade do Minho, 2009

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