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Pequenas histórias do brincar

- Raiza Santos -



E ê criança presa ê, brinquedos de trapaças

Quase sem história pra contar

Você criança tão liberta me tire dessa peça,

E assim ter história pra contar


Estrela que brilha em meu peito e me leva pro céu

Em cantos cantigas canções de ninar

Me deixa no galho no galho da lua

No charme do sol pra me despertar”


(Música Amigo do sol, amigo da lua de Benito Di Paula)


Nasci em Belém, não a da Palestina onde o Menino Jesus nasceu, e sim a que fica no Pará, aquela estrela solitária na bandeira do Brasil. Pisciana do ano de 1990, passei por essa década brincando em casa, na passagem Vitória onde morei, no conservatório de música Carlos Gomes, nas escolas Paraíso Infantil e na escola conveniada à prefeitura Dona Alzira Teixeira de Souza, e também numa transportadora de palmito onde minha mãe trabalhava com minha madrinha, por vezes minha madrinha levava sua filha e ficávamos brincando de boneca e casinha na sala de nossas genitoras. As brincadeiras de casa, que às vezes eram na minha, nas casa dos meus avós ou na casa dos vizinhos, também se concentravam nessa brincadeira mais “comportada” do brincar de boneca, de casinha, de secretária, de cabana, de vídeo-game, adedonha, desenho, pintura, leitura de livros e construção de brinquedos. Certa vez na casa dos meus avós, peguei o martelo, pregos, serrote do meu avô e ele que me observava, mas em nenhum momento me impediu de pegar ferramentas tão “perigosas” só me dizia “Cuidado com os dedos!” Inspirada em uma leitura da revistinha do Chico Bento, queria também ter uma perna de pau, não para roubar as goiabas do Nhô Lau, e sim para poder ver o mundo de cima, olhar o horizonte, olhar mais além da janela dos meus avós.



As brincadeiras de rua eram as minhas favoritas, pois reunia pessoas da minha rua e de outras ruas próximas, e em alguns momentos brincávamos no período da tarde até à noite e não víamos a hora a passar.

Em Belém, a palavra pique, presente nos nomes de algumas brincadeiras do sudeste foi transformada por pira: pira se esconde (era assim que falávamos. Outra peculiaridade desta brincadeira é que além de contarmos virados para a parede, criamos uma variação com a garrafa pet, onde ela era a base, e quando a criança que estava escondida chegava batia com a garrafa pet no chão), pira pega, pira-alta, pira parede. Brincar de elástico e pular corda nunca foram o meu forte, pular e alcançar o elástico na altura da cintura já era uma dificuldade para mim, se fosse na altura dos dedos levantados para cima então, nem pensar para mim. Brincar de boneca, brincar com as barbies, para mim era tão prazeroso quanto o pira se esconde. Das histórias das Barbies, duas ficaram para a história. A primeira se trata de quando eu devia ter entre seis e oito anos, e conheci uma menina que morava na rua detrás, e a janela da casa dela se encontrava com a janela dum quarto da minha casa que eu chamava de quarto do brincar. Entre as duas janelas havia o quintal da vizinha. Uma vez enquanto conversávamos cada uma na sua janela, ela pediu para vir brincar em casa, eu não pedi permissão à minha mãe e disse que sim, quando dei por mim, a menina saiu por sua janela, que assim como a minha ficava no primeiro andarda casa, e com a destreza de uma escaladora, desceu, chegou no muro do quintal da vizinha, atravessou e subiu o muro novamente até chegar na janela do quarto da minha casa. Então entrou, brincamos por uma tarde inteira e do mesmo jeito que entrou na minha casa, também saiu por debaixo do meu olhar atônito, que não viu em nenhum momento aquela menina esboçar uma feição de medo de altura. A seguinte história me traz a sensação de libertação. Por vezes eu ia brincar de Barbie na casa de uma amiga da onça, que gostava de se manter como a dona da brincadeira. Eu levava os meus brinquedos, e lá na casa dela montávamos então a casa da Barbies juntamente com os brinquedos dela, no entanto toda vez que eu pedia algo emprestado dela, ela simplesmente me negava, e toda vez que ela pedia algo emprestado meu eu deveria ceder pois se não fosse assim, naquele momento mesmo a brincadeira acabava. Claro, eu sempre fui a besta, sempre cedendo às vontades dela para que a brincadeira não acabasse, assim como a Clarice Lispector em Felicidade Clandestina, que ia todos os dias à casa de sua amiga da onça na esperança de que a malvada emprestasse o livro Reinações de Narizinho. Um dia, eu saí de casa decidida, “caso ela me venha com as mesmas churumelas, ela vai ver só!” A brincadeira começou e em um dado momento aconteceu, pedi algo emprestado e ela negou e disse que a brincadeira terminaria caso eu voltasse a pedir, então no mesmo instante comecei a colocar meus brinquedos na sacola e só disse “Então tá!”. Ela nunca imaginaria isso, e no mesmo instante recobrou sua bondade e me emprestou o bendito brinquedo. Enfim me libertei da opressão que a olho de gato (ela tem olhos castanhos claros) impunha.



Me constituí gente pela brincadeira, sorri quando andei no patins emprestado do meu vizinho e não caí de bunda no chão, chorei aos seis anos quando a professora não me deixou brincar de cabo de guerra por eu ser a menor da turma, me lambuzei de lama ao ter escorregado nela durante um pira pega, me aventurei andando de bicicleta por ruas vizinhas, e foi na bicicleta que aprendi a calcular certinho o espaço entre o poste e a calçada (só que não), e como frear uma bicicleta desembestada no poste e quebrar seu braço por conta disso.



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