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RESGATAR O BRINCAR TRADICIONAL

- Vera Lucia Caligioni -



Sabem por que é que eu pinto tanto menino em gangorra e balanço?

Para botá-los no ar, feito anjos.

Cândido Portinari


O despertar do brincar em minha vida.


Quando criança tive muitas oportunidades para o desenvolvimento do brincar. As brincadeiras eram frequentes durante todos os dias em minha infância, pois o ambiente do qual fazia parte era propício para colocá-las em prática. Esse ambiente e espaço físico, tratava-se do campo, de uma fazenda em Ribeirão Preto, onde fui morar depois que meu pai faleceu aqui em São Paulo. Por conta disso, as brincadeiras eram geralmente na terra, e faziam parte do meu tempo livre, quando não estava na escola. Essas vivências me proporcionavam prazeres, alegrias e contentamento, além de colaborarem com o desenvolvimento de minhas relações afetivas.

Já em minha adolescência, voltando e morando em São Paulo, meu cotidiano tornou-se bem diferente. Além dos estudos, dos quais me dedicava, também precisava ajudar muito minha mãe com as tarefas da casa. Porém, ainda em uma época que nos era permitido aproveitar as brincadeiras de rua, essas faziam parte de muitos momentos de minha vida. Quase todas as noites, encontrava-se com amigos e vizinhos na rua em frente de nossas casas, para brincar. Brincávamos de queimada, pega-pega, jogar vôlei, pular corda, contar histórias e ficávamos horas e horas assim...

Mas enfim, o tempo passou, os anos passaram e com eles chegou o mundo adulto, das responsabilidades e compromissos. E a vida adulta nos faz perder a magia do brincar, a prática das brincadeiras, a alegria da infância em nosso dia-a-dia. Deixamos de resgatar nossa criança interior, da qual fica adormecida, querendo se manifestar, com necessidade de se expressar, e que vive dentro de nós. Ficamos a mercê de rotinas e regras, onde muitas das quais, nossas escolhas estão vinculadas.

Acredito que nosso grande desafio encontra-se em recuperar essa criança, da qual nós fomos um dia. Deixá-la vir à tona, tratá-la com carinho e atenção. E percebo que o brincar traz essa possibilidade, através da magia das brincadeiras infantis, tentamos recuperar o que perdemos com o tempo.


Com o amadurecimento nosso olhar torna-se mais propenso a normas e padrões sociais. Se compararmos com o olhar das crianças, notamos que nosso olhar para o brincar ficou para trás. Nos esquecemos desse olhar infantil que nos impulsiona, nos traz esperanças e alegrias. E o mundo do faz de conta, é a grande oportunidade de viver uma fantasia, uma outra realidade. Lá podemos ser quem quisermos, sem nos preocupar com pessoas categóricas e taxativas e em sermos julgados por tantos padrões pré-estabelecidos. Nesse mundo do faz de conta nossas frustrações podem ser transformadas em alegrias. Com o passar do tempo, esquecemos esse olhar infantil, a importância desse refúgio para o equilíbrio dos nossos sentimentos, de nossas emoções. E também a necessidade de alimentar em nós a fé e a crença em um mundo melhor.

Com o brincar, compreendo o quanto havia me esquecido de meus aprendizados da infância. Agora estou aprendendo e permitindo-me a viver a vida com mais leveza e tentando resgatar meu olhar de criança e aos poucos eliminando toda uma rigidez para me tornar uma pessoa com mais flexibilidade.

Quero resgatar toda dignidade e sensibilidade infantil que o brincar me proporciona, e mesmo adulta dar-me a chance através das brincadeiras infantis de uma vida mais saudável, plena e completa.

As brincadeiras tradicionais na vida das crianças passou a ser um acontecimento raro, pois diante do mundo contemporâneo e suas relações com os ambientes virtuais, os compromissos e obrigações, das quais muitas já possuem em suas vidas, como por exemplo: cursos extra curriculares no contra turno do ensino regular. Por parte dessas cobranças que muitos adultos e responsáveis lhes exigem, ficam praticamente impedidas de vivenciarem sua infância, de fato. Perdem-se em atividades que são impostas, visando um futuro melhor como visão de seus pais. Porém, o tempo vai passando e as crianças deixam de vivenciar o período mais enriquecedor de suas vidas, com o brincar, com o prazer, com a real alegria que as brincadeiras possam lhes proporcionar.

Com uma visão mais humanista, compreendo o quanto se faz necessário resgatar para os alunos “ o brincar “, como uma situação favorável para facilitar o desenvolvimento de suas potencialidades, suas habilidades, podendo também expressar a afetividade, a capacidade criativa e a coordenação motora. Segundo Vygotsky (2007), é durante o brincar e por meio do brinquedo que a criança aprende a agir cognitivamente, dando vida aos objetos e determinando sua ação sobre eles. As brincadeiras tem função relevante e estimulam as crianças para que desenvolvam habilidades de autonomia e auto confiança em suas atitudes.

Portanto, com esse trabalho desenvolvido, houve um grande interesse e interação entre os alunos de forma sensível e efetiva. E a maioria deles tiveram como brincar e relacionar-se com brinquedos e brincadeiras, das quais não faziam parte de seu cotidiano, visto que, diante de suas realidades e circunstâncias, não possuiam condições para colocá-las em prática. Gerando e criando com isso também, a transformação de espaços, considerados antes apenas como culturais, em espaços lúdicos abertos e receptivos para todos os alunos, propiciando lugares transformadores para o imaginário infantil.

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