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Brincar como um direito da criança - a lei garante, agora precisa entrar na prática.



- Anna Flavia Murata -

O tema brincar é como um grande guarda-chuva de subtemas que vem sendo discutido em diferentes esferas. Governo, pesquisadores, educadores e profissionais diversos dedicam seu tempo e formulam uma séria de documentos e estudos que garantam o cumprimento deste direito. A começar que o brincar é um direito da criança previsto em lei!


É impactante perceber que há a necessidade de se defender o brincar utilizando a lei. O brincar e sua importância vem sendo evidenciado na comunidade internacional como na “Declaração dos Direitos da Criança” de 1959 e na “Convenção dos Direitos Humanos” de 1989 na ONU, de onde surgiu o artigo 31, cujo 1º artigo diz: “Os Estados-partes reconhecem o direito da criança ao descanso e ao lazer, ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística”, além de abranger as obrigações do Estado para garantir este direito. Já no Brasil, estes direitos são ainda assegurados pela Constituição brasileira de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e na Lei federal 11.104 de 2005.

Por outro lado, por várias razões, o trabalho tem sido valorizado em detrimento do ócio e do brincar, sendo ainda considerado como “perda de tempo”. E embora a nossa legislação tente garantir esses direitos, o baixo reconhecimento do seu significado na vida das crianças resulta na falta de investimentos em recursos, planejamento e execução de ações que protejam e promovam este direito. Basta olhar a hostilidade da cidade, com sua falta de espaços para crianças; à grade curricular das escolas, voltada para provões e avaliação por notas, com intervalo curto de descanso e lazer; e à própria mentalidade dos pais, que ocupam cada vez mais suas crianças com atividades extras curriculares.

Isso mostra que não basta ter direitos garantidos pela legislação, mas que toda sociedade: o poder executivo, a sociedade civil, as organizações sociais, a academia precisa estar ciente da importância deste tema para o desenvolvimento humano.

A academia, por exemplo, da comunidade internacional mostra estar bem organizada em relação ao tema. Em 2016, tive a oportunidade de estar em contato com todo um corpo de pesquisadores sobre desenvolvimento infantil e o direito de brincar dentro de suas áreas de atuação. No 9ª Simpósio “Growing in Place, design for children, families and nature in the city”4 organizado pela Natural Learning Initiative da Universidade da Carolina do Norte, EUA, vários pesquisadores puderam apresentar suas pesquisas em detrimento ao tema do brincar, principalmente com foco ao ambiente externo e relacioná-lo ao seu campo de atuação, seja psicologia, arquitetura e urbanismo ou meio ambiente.

Lá, o professor pesquisador em psicologia, Peter Gray, discorreu sobre sua mais recente pesquisa que foca no papel do brincar na evolução humana e em como as crianças educam a si mesmas através do brincar e da exploração livre. E disse: “uma criança que se pendura em uma árvore e está tomando a decisão de pular ou não, está neste momento, em realidade, aprendendo a lidar com o medo e a consequência de suas escolhas”. Por isso, em seu livro “Free to Learn”, de 2013, defende a postura do brincar livre, com o mínimo de intervenção adulta. O brincar livre é o principal meio pelo qual as crianças aprendem a controlar suas vidas, a resolver problemas, a se relacionar com os colegas e a se tornar emocionalmente resilientes. Fele ainda fez uma bela metáfora durante o evento: “O adulto, no ambiente do brincar, deve ser como um salva vidas. Ele está lá pronto para agir, mas só deve entrar em ação quando acionado”. Isso evidencia a importância de deixarmos as crianças correrem alguns riscos.

Em adição ao tema, o britânico Tim Gill, no livro “No Fear: Growing up in a risk averse Society” de 2007, argumenta que a infância está sendo prejudicada pelo crescimento da aversão ao risco. Isso restringe as brincadeiras das crianças, limita sua liberdade de movimento, coroe suas relações com os adultos e restringe sua exploração de mundos físicos, sociais e virtuais. Ou seja, crianças que não têm essa oportunidade dificilmente conseguirão ser confiantes, independentes e autônomas em sua vida futura.

Em outras frentes, pesquisadores como a Drª Nilda Cosco e Dr. Robin Moore apresentam conceitos de design de ambientes ao ar livre para crianças de modo a torná-lo participativos e estimulantes. E a Drª DeAnna Breasley, PhD em biologia, também presente nesta conferência, defendia a exposição da criança em diferentes ambientes, principalmente externos para aumento da resistência imunológica perante o convívio com os micróbios e fungos dos ambientes externos.

Enfim, um evento inteiro organizado por diferentes pesquisadores com objetivo final de ressaltar que as crianças nascem curiosas e precisam se relacionar com diversos tipos de ecossistemas para manter suas mentes questionadoras vivas, para crescerem apaixonadas pela natureza e para se aproveitarem os benefícios que ela e os espaços externos bem planejados podem prover. Contudo, apesar de tantas evidências positivas sobre o brincar em espaços externos geradas pelo mundo acadêmico, estudos mostram que há uma diminuição da quantidade de horas diárias que as crianças passam brincando lá fora. Uma pesquisa realizada pela Edelman Berland, agência independente de pesquisa de marketing, entre fevereiro e março de 2016 pela OMO com 12 mil famílias em dez países mostrou que 56% das crianças passam 1 hora ou menos brincando ao ar livre. Isso pode estar acontecendo porque, cada vez mais, a população mundial mora em centros urbanos, com menos possibilidade de estar em contato com áreas verdes e maior insegurança.

Quando analisamos a realidade brasileira, vemos que o grande desafio está em planejar e oferecer espaços que promovam e protejam os direitos das crianças permitindo oportunidades para o brincar: faltam espaços apropriados e convidativos, com presença de áreas verdes e segurança. De modo geral, as nossas cidades podem ser grandes inimigas do brincar em função de seu planejamento ou da falta dele.

Tendo isso em vista, a Lei Federal 13.257, vigente no Brasil desde março de 2016, que institui o Marco Legal da Primeira Infância, estabelece e consolida uma série de direitos das crianças de zero a seis anos completos. O artigo 17 da lei 13.257/20169 diz que diz que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão organizar e estimular a criação de espaços lúdicos que propiciem o bem-estar, o brincar e o exercício da criatividade em locais públicos e privados onde haja circulação de crianças, bem como a fruição de ambientes livres e seguros em suas comunidades”, reforçando que brincar em espaços externos é fundamental para o aprendizado.

Neste sentido, o Estado, Governo e Prefeitura têm influência definitiva sobre o proveito da cidade para os cidadãos e para as crianças. Ações como o fechamento de ruas para carros em determinados dias da semana; promoção de eventos abertos; criação e manutenção de parques e praças, por exemplo, são inciativas que em si só já aumentam muito o aproveitamento da cidade por parte dos cidadãos. Oferecer espaços com natureza ou convidativos na cidade, com desafios interessantes para as crianças é de responsabilidade dos adultos, principalmente dos pais, cuidadores e daqueles que administram as cidades.



Por isso, a incidência em política é fundamental para que o brincar tome cada vez mais corpo. Por mais importantes que as ações de conscientização sobre o brincar com pais e educadores sejam, envolver e convencer as outras esferas é fundamental para uma mudança significativa. Por exemplo, em uma esfera menor como a escola. Não adianta capacitar os professores sobre a importância do brincar se sua coordenação e diretoria não estiverem convencidos do mesmo. Assim como, não adianta ter a escola convencida se os pais não compreendem o mesmo conceito. Desta forma, pais, professores, a instituição escola, secretarias, prefeituras, governo, etc, devem entrar no mesmo barco e confiar que a promoção do brincar terá efeitos positivos no desenvolvimento das crianças.

Referências:

1 - Definição “Agentes do Brincar: www.iabrasil.org ou no livreto “Artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança: o desenvolvimento infantil e o direito de brincar”, página 11, parágrafo 1º, maio/2015

2 - Playworker: Guia do Playwork, tradução de 2015 do “The buskers guide of playwork”, página 3, parágrafo 1º

3 - Direito do brincar: Item 1 do Artigo 31 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança – CDC,1989

4 – 9º Simpósio Growing in Place: https://naturalearning.org/growing-place-symposium-2016

5 - Free to Learn: Why Unleashing the Instinct to Play Will Make Our Children Happier, More Self-Reliant, and Better Students for Life, de 2013, Autor: Peter Gray

6 - Tim Gill: https://rethinkingchildhood.com/no-fear/ | 2007, livro No Fear: Growing up in a risk averse society

7 - Referência trabalhos Drª Nilda e Dr. Moore: https://naturalearning.org/team

8 - Pesquisa sobre tempo médio que as crianças passam externamente brincando: http://ciclovivo.com.br/noticia/criancas-passam-menos-tempo-ao-ar-livre-do-que-presidiarios/

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