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A NECESSIDADE DE BRINCAR NA NATUREZA

- FERNANDA AP. COSTA RIBOLLA -

Muitos pais da atualidade estão incomodados e aflitos com o caminho que a infância de seus filhos vem percorrendo, principalmente nas grandes cidades. As crianças têm ficado cada vez mais dentro de casa, sentadas em um sofá, diante das telas. Há uma clara preferência por grande parte delas em estar próximas de tomadas para manterem-se conectadas aos eletrônicos do que vivenciar experiências brincando do lado de fora, na natureza. Estão se acostumando à normalidade de uma rotina não tão normal assim. Estudos têm surgido para confirmar que a falta de estar ao ar livre e em contato com a natureza pode acarretar diversos prejuízos à saúde da criança.

Richard Louv, autor do livro A última criança na natureza (The last child in the woods), chama de Transtorno de Déficit da Natureza os problemas físicos e mentais que as crianças podem apresentar em decorrência do distanciamento do mundo natural (Louv, 2016). São problemas relativamente novos, umas vez que a causa também é recente (muito provavelmente as crianças nascidas na década de 80 ainda tinham muita liberdade para brincar ativamente na rua, no quintal, nas praças e nos parques): obesidade, depressão, hiperatividade, déficit de atenção, deficiência em vitamina D, etc. Há crianças, inclusive, diagnosticadas com lesões em dedos, mãos e braços em função do uso precoce e do excesso de tempo gasto no celular.

Aliás, em 2016, a Sociedade Brasileira de Pediatria (Pediatria, Saúde de Crianças e Adolescentes, 2016), através da publicação de um manual de orientação sobre a saúde das crianças e dos adolescentes na era digital, trouxe uma série de recomendações para pais e responsáveis sobre como lidar com a tecnologia no dia-a-dia das crianças e adolescentes, demonstrando que a longo prazo, as consequências pelo uso indiscriminado dos eletrônicos poderão ser bastante negativas. Além dos prejuízos físicos citados no parágrafo anterior, ao que se soma problemas auditivos, visuais, posturais e os relacionados aos transtornos de sono e alimentação, especificamente quanto ao excesso de tecnologia, fala-se em dificuldades de socialização e conexão com outras pessoas, dificuldades escolares, aumento de ansiedade e mudanças comportamentais, que geram quadros como os de irritação e violência.

É certo que o contexto urbano em que vivemos em nada contribui para que nos aproximemos do mundo natural. Há cinza por todos os lados, do concreto dos grandes prédios à fumaça de poluição dos carros. As cidades têm crescido muito rapidamente e a impressão que se tem é que as áreas verdes não estão sendo priorizadas no planejamento desta expansão. A violência nas ruas aterroriza os cidadãos de bem que tem se sentido cada vez mais inseguros em ocupar os espaços públicos com suas famílias. Também existe a mentalidade de uma outra parcela de pais que desde cedo anseia que seus filhos tenham êxito na vida pessoal e profissional.

Então, os enchem de tarefas no contra turno escolar, matriculando-os em diversos cursos extracurriculares. Para esses pais, o acesso às telas também é incentivado, afinal de contas, para eles, desenvolver habilidades tecnológicas, ainda que seus filhos sejam crianças, é muito mais relevante do que permitir que brinquem livremente, fazendo aquilo que deveria ser natural em suas infâncias. Ainda sobre os “superpais”, há aqueles que acham que a natureza é perigosa e que seus filhos podem se machucar e contrair doenças estando em contato direto com ela. Neste caso, acreditam oferecer segurança mantendo seus filhos dentro de casa, brincando sob seus controles, confinados em uma bolha de superproteção.

Se por um lado os efeitos da falta de natureza podem ser bastante prejudiciais num longo prazo, por outro, estar em contato com ela, brincando ao ar livre, traz inúmeros benefícios. Médicos pediatras renomados endossam que o contato livre da criança com a natureza é essencial para que ela cresça saudável e se desenvolva integralmente (Pediatria, Benefícios da Natureza no Desenvolvimento, 2019). Afirmam ainda que aquelas que passam mais tempo ao ar livre são mais felizes, criativas e concentradas, além de conviverem melhor com outras pessoas. Muitos, inclusive, prescrevem a seus pacientes uma dose generosa de natureza em seu dia-a-dia, em substituição ou complemento à um medicamento químico. É claro que as situações são muito específicas, mas em um país como o Brasil, em que o consumo de Ritalina (medicamento usado para tratamento de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) aumentou 775% entre 2003 e 2012 (Torcato, 2016), há que se pensar que alguma coisa está errada e que a solução pode ser mais natural do que parece. Mais tempo na natureza somado à menos eletrônicos e mais brincadeiras estimulantes em ambientes onde as crianças possam exercer sua liberdade e criatividade são essenciais para que elas cresçam alegres e saudáveis. Não importa se no espaço escolhido não há brinquedos estruturados, como escorregadores e balanços. Por vezes, os materiais naturais disponíveis como terra, areia, gravetos e folhas se transformam em brinquedos ainda mais interessantes, já que a criança tem a possibilidade de criar, inventar aquilo que quiser.

Quando falamos em natureza, dificilmente não nos lembramos dos quatro elementos fogo, água, terra e ar. Se a criança brinca na natureza, ela entra em contato com esses quatro elementos e cria seus brinquedos a partir de cada um deles.

Gandhy Piorski, artista plástico que pesquisa as práticas da criança há mais de 20 anos, em uma de suas linhas de estudo, aborda (Piorski, 2016), entre vários raciocínios, os denominados “brinquedos da natureza”, que são sugeridos através dos tais elementos da natureza. Pra ele, cada um se manifesta de uma forma e está presente no brincar diário das crianças que estão no meio natural. Na concepção de Gandhy (Piorski, 2016), tudo que envolve fogo, ainda que no imaginário da criança, é considerado brincadeira deste elemento. Crianças que brincam com fogo são tidas como desafiadoras, buscam superar medos e limites. É a criança que pega o fósforo escondido para acender e vê-lo se apagar e a que queima a palha de aço para girar e se encantar. Brincadeiras de corda que usam as palavras “fogo-foguinho” e a Batata Quente que usa as palavras “quente-queimou” são consideradas brincadeiras do Fogo. Brincar de fazer comida usando o fogo, também.

As brincadeiras da água são as que exigem da criança simetria, leveza e equilíbrio. Crianças interessadas em brincadeiras dessa categoria são as que superam obstáculos. São exemplos: brincadeiras que fazem flutuar coisas na água, como os barquinhos feitos de papel ou outros materiais e as de pescaria. Brinquedos da terra são os ligados à casa e à família. São os de investigação da matéria. Brincar de se enterrar na terra, moldar objetos em barro, são exemplos. Também são exemplos brincar de casinha, fazendinha e cozinha por fazer com que as crianças criem novas formas de cultura através de sua imaginação.

Por fim, ainda na concepção de Gandhy (Piorski, 2016), os brinquedos de ar são aqueles que ampliam a visão e os sentidos, que trazem contemplação e sugerem um deslocamento social. Brincadeiras com pernas de pau, petecas, pipas e aviões são exemplos.

Ghandy traz uma maneira diferente de enxergar o brincar que, ao final, converge para o mesmo ideal de que a criança, desde que tenha tempo e espaço adequados, pode construir o seu próprio brincar, de forma muito mais inovadora e criativa.

Retornando ao tema tecnologia, incorporar mais experiências na natureza à vida das crianças não significa rejeitar os eletrônicos. O que deve existir, considerando os dias atuais, é um incentivo para que as atividades na natureza sejam tão estimulantes quanto as atividades que as crianças gostam de fazer em frente às telas. Quem sabe assim, suas realidades possam ficar mais equilibradas.

A urgência da falta de brincadeiras ao ar livre por parte das crianças moveu uma série de organizações engajadas neste tipo de causa a iniciarem programas que forneçam maneiras de qualquer pessoa encontrar conexões com a natureza próximo de onde está. No Brasil, o Instituto Alana, através do programa Criança e Natureza, desenvolve um trabalho de grande importância com ações direcionadas para favorecer o contato das crianças com a natureza.De fato, os pais, as famílias, embora sejam os primeiros responsáveis pela criança, não conseguem resolver sozinhos as questões geradas pelo déficit de natureza. Comunidade, educadores, profissionais da saúde e do meio ambiente, instituições públicas e privadas precisam se sensibilizar a ajudar. As crianças, futuros adultos deste planeta, precisam criar suas próprias experiências na natureza e esta necessidade urgente deve ter o comprometimento de todos.


Referências

Louv, R. (2016). A Última Criança na Natureza. São Paulo: Aquariana.

Pediatria, S. B. (2016). Saúde de Crianças e Adolescentes. Manual de Orientação, 13.

Pediatria, S. B. (2019). Benefícios da Natureza no Desenvolvimento. Manual de Orientação, 30.

Piorski, G. (2016). Brinquedos do Chão: A Natureza, O Imaginário e o Brincar. São Paulo: Peirópolis.

Torcato, C. E. (2016). O Metilfenidato, a Escola e a Cultura Farmacológica Contemporânea. Teias, 15

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