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BRINCAR E UMA SOCIEDADE PEDAGÓGICA

- ACAUAN LIMA SANT’ ANNA -


Há uma premência em levar o brincar para além do território escolar, é preciso levar o brincar a espaços públicos. Esses ambientes e espaços públicos que cercam tanto as crianças como os adultos, devem ser pensados para o desenvolvimento de toda a sociedade, independentemente de sua idade. Transformando os ambientes externos em locais de educar, complementares à sala de aula e/ou ambiente de trabalho, onde todas as propostas têm um objetivo pedagógico e de lazer.


O brincar ou a brincadeira é a atividade principal da criança. Uma ação livre, iniciada e conduzida por ela. Um exercício de autonomia, no qual a criança pode tomar decisões, expressar sentimentos, lidar com valores, conhecer a si mesma, aos outros e ao mundo em que vive (GIL, 2020)


As brincadeiras, contações de história, dança, música, mediação de leitura, jardinagem, pintura, teatro, oficinas, construções de objetos, entre outras, devem ser práticas de uma sociedade. Ao brincar, a criança entra em contato com regras - tanto aquelas que repete do mundo adulto como as que constrói para dar sentido à brincadeira. Dessa forma, nas interações sociais dos momentos de brincadeira há diferentes possibilidades de desenvolvimento (VYGOTSKY, 1989 apud GIL, 2020).

Exemplos em que a convivência foi modificada mediante a construção de espaços de lazer, cultura e educação podem ser observados em diferentes países do mundo, a saber: Itália, Espanha, Argentina.

Em reportagem do portal Gazeta do Povo, nos deparamos com as experiências de Reggio Emilia, na Itália. Uma cidade que após a Segunda Guerra Mundial, um grupo de mulheres, notou a falta de uma creche e começou a construir uma edificação com as próprias mãos, com pedras e madeiras encontradas nas imediações. A transformação da construção improvisada da escola foi consolidada com o envolvimento do pedagogo Loris Malaguzzi.

Com a consolidação dessa escola, a cidade construiu mais trinta e cinco pré-escolas, que correspondem a quarenta porcento das escolas públicas do município. As crianças com necessidades especiais e filhos de mães ou pais solteiros têm matrícula prioritária nas escolas da rede, sem precisar passar por processos de seleção.

Após toda essa construção notou-se a necessidade de repensar o método de ensino, e o currículo escolar. Que nos últimos anos pensam nas crianças em como elas são no presente (cheias de potencial) e em suas necessidades e não no que ela pode se tornar no futuro.



Nessas escolas, professores constroem currículos específicos, e os pais dos alunos trabalham como voluntários juntamente com os educadores. Na metodologia adotada por eles, as aulas são construídas ao redor de projetos que integram diversas áreas, como arte, ciência e matemática.


Esta ideia pareceu-me incrível! Corri até lá em minha bicicleta e descobri que tudo aquilo era verdade. Encontrei mulheres empenhadas em recolher e lavar pedaços de tijolos. As pessoas haviam-se reunido e decidido que o dinheiro para começar a construção viria da venda de um tanque abandonado de guerra, uns poucos caminhões e alguns cavalos deixados para trás pelos alemães em retirada (MALAGUZZI, 1999 apud NEVES s/d).

Outro exemplo de cidade que teve a sua convivência modificada com a construção de espaços de lazer, cultura e educação, podem ser observados em reportagem realizada pelo portal Mobilize, que conta as modificações adotadas pela cidade de Pontevedra, localizada na Espanha. Que trouxeram melhoria tanto para as crianças, como para o restante da sociedade. Com a aprovação de um decreto, a cidade eliminou todas as quinhentas vagas de estacionamento que existiam no centro histórico. No lugar, foi feita a pedestrianização de trezentos mil metros quadrados desse centro, a cidade adotou o Mapa Metrominuto, que copia os padrões normalmente usados nos metrôs das grandes cidades para indicar as distâncias e tempos de caminhada entres diferente locais.


Com isso estimulou todo a sociedade a se locomover a pé ou de bicicleta, não apenas gerando melhor qualidade de vida, como também fazendo com que as crianças fossem integradas nos espaços públicos com segurança. Pontevedra aprendeu também que não basta afastar os carros. É necessário gerar atividade. Em outro projeto que nos deparamos em Pontevedra, a iniciativa partiu de alunos e professores de um colégio local.

Não havendo espaço interno para que as crianças pudessem brincar e praticar esporte, o colégio propôs levar o recreio para a praça. Para isso foi necessário barrar o tráfego do entorno, o que foi conseguido em uma parceria entre a Secretaria de Educação e a Prefeitura.

Desde então, o colégio Barcelos tem o melhor pátio de recreio de Pontevedra. Há ginástica na praça e brincadeiras nas pistas polidesportivas pintadas sobre a antiga rotatória de trânsito.

Gerando não só para a escola, como também para a sociedade, lazer e atividade física em um espaço público. Isso incentivou a todos a olharem os espaços públicos da cidade como um ambiente seguro e ao mesmo tempo gerador de atividades desenvolvedoras – para adultos e crianças. Desde então, na cidade de Pontevedra as crianças vão e voltam a pé da escola.


Quando eu era criança, a autonomia de movimento que meu pai e eu tínhamos era quase igual. Nós dois tínhamos a bicicleta como meio de transporte e íamos circulando pela rua. A ideia de viajar não existia. Agora eu cruzo o oceano com facilidade e minha neta nem sai de casa. Ou seja, nossas experiências de mobilidade são muito diferentes. O que mais me impressiona é que as crianças perderam a possibilidade de sair de casa, enquanto as novas tecnologias lhes permitiram se conectar com o mundo e acessar informações que na minha infância eram impensáveis de se conseguir. Uma criança com enorme mobilidade cognitiva não pode sair de casa. Tenho medo que, dentro de pouco, os adultos digam que não vale à pena sair de casa. Há momentos da vida que é preciso o toque, a briga, o contato (TONUCCI, 2016).


A cidade de Rosário, localizada na Argentina, a cidade mais importante da Província de Santa Fé, é reconhecida como uma cidade educadora. Em reportagem realizada pelo portal Gestão Escolar, encontramos uma cidade que valoriza os ambientes externos como lugar de educar. Uma cidade que vê as crianças como sujeito protagonista do processo de aprendizagem e esses aprendizados se estendem aos seus acompanhantes.

A “Cidade das Crianças”, é o espaço público que marca o início do projeto político do município, de valorizar os espaços públicos, dando voz às crianças e as integrando como parte da sociedade.

Nesse espaço, as crianças e jovens compõem um conselho para expor suas ideias e necessidades, esses pedidos são acompanhados por justificativas, para que as crianças e os jovens desenvolvam o pensamento crítico e saibam argumentar.


Outro espaço público pensado no desenvolvimento das crianças e adultos, é a “Ilha das Invenções”, nesse local, que era uma antiga estação de trem, foi adaptado em um espaço de encontro para crianças e adultos investigarem, explorarem e aprenderem sobre ciências, artes e tecnologias por meio de projetos, mídias e formatos. As crianças e seus familiares brincam e criam juntos, em um ambiente rico em experimentações.

A “Fábrica de Papel”, é mais um espaço que incrementa essa lista, onde a criança participa do processo de confecção do papel de uma forma livre e, onde todas as ações tem um ato pedagógico, como também a “Fábrica de Costura”, a “Fábrica de Construção de Materiais”. E o espaço público conhecido como zoológico da cidade, O “Jardim das Crianças”, um espaço onde lá é feito um passeio para todas as idades, com explosões de cores, espaços de beleza e jogos que desafiam os sentidos, com aventuras, mistérios, construções e poesia.


E, por último a “Ganja de la infância”, que era um depósito de lixo que foi modificado e que ocupava uma ampla área verde. Nesse passeio, as crianças e seus acompanhantes podem correr, escalar e interagir com a natureza, com lago com animais típicos da região, jardim das borboletas, observação de animais, horta orgânica e fabricação de pães e doces.


Brincar é desenvolvimento e aprendizagem. É a partir da ação que o ser humano desenvolve sobre o meio físico e social, e que se constroem as estruturas de pensamento (PIAGET, 1971 apud GIL, 2020).

Pensando no crescimento humano, em todas as etapas da vida, podemos criar uma sociedade que constrói de forma pedagógica e lúdica os ambientes públicos. O brincar deve ser inserido como atividade primordial em todas as etapas da vida, não limitando essa prática apenas às crianças em anos escolares.


A sociedade carece de um brincar pensado em todos, onde os espaços públicos contemplem todas as gerações. Pensado para receber bebês e crianças. Trabalho há quatro anos com a educação não formal, ocupando espaços de brincar de várias unidades do Serviço Social do Comércio (Sesc) e a compartilhando vivências com pessoas que frequentam lugares em que o convívio com os adultos num ambiente seguro, lúdico e brincante proporciona um melhor desenvolvimento humano. O Sesc que tem como característica a inclusão de todas as gerações dividindo e usando o mesmo ambiente.

Ambiente esse, que os bebês e as crianças são inclusos, pensando em suas características, sua potência de explorar e brincar, fazem desses espaços, um espaço seguro, limpo e interessante o suficiente para eles e é provável que seja bom para todos.

As crianças que frequentam esse lugar, podem pôr à prova na convivência social, seus ensinamentos aprendidos na escola e em casa.

Pude observar de perto ao longo desses anos a importância de lugares inclusivos para as crianças e adultos que portam algum tipo de necessidade especial ou deficiência. A felicidade que causa chegar em um lugar que foi pensando também para esses seres humanos ocuparem, explorarem e se desenvolverem.


Lembro-me do dia em que uma criança foi a um desses espaços de brincar em que estávamos e haviam no chão diferentes tipos de texturas, e por ser uma criança com deficiência - não andava, não falava. Ao entrar nesse espaço e poder com segurança sair da sua cadeira de rodas e deitar e sentir com todo o seu corpo toda a diversidade de texturas, a deixou muito feliz.

A mãe que com frequência o levava lá, se emocionou ao ver a alegria de seu filho. A rotina da sua família havia mudado drasticamente após o nascimento dele, pois a mãe teve que parar de trabalhar para dedicar atenção total ao filho. Muito por não haver muitas escolas em que ele pudesse estudar, explorar e se desenvolver.


A escola segue sendo para poucos. O primeiro desafio, portanto, ainda é como fazer com que a escola seja para todos – e para cada um (TONUCCI, 2016)


As propostas apresentadas nesse artigo têm como objetivo direcionar o olhar para os espaços públicos e escolas públicas como um lugar potente para a ampliação da convivência comunitária em outros moldes considerando as diferenças sejam elas etárias, raciais, de gênero.

Vivemos em um mundo cheio de novidades e tecnologias, objetos futuristas e deixamos de olhar para o que é mais simples, que é o desenvolvimento e a inclusão de todos os seres que compõe a sociedade.

Diante da pandemia de COVID-19, no ano de 2020, com escolas fechadas e crianças em casa, foi imperativo pensar em novas formas de convivência familiar e comunitária. Neste sentido, as propostas apresentadas neste artigo são relevantes à medida que recuperam a importância do brincar, e os impactos não só para crianças, mas a brincadeira enquanto forma coletiva de convivência e colaboração. O tema apresentado pode ser um componente importante na construção de uma nova sociedade, mais justa, inclusiva e plural.

REREFÊNCIAS

GIL, Márcia de Oliveira Gomes. Razões para brincar. jul. 2020. Disponível em: www.ipabrasil.com.br. Acesso em: 30 jul. 2020.

MALAGUZZI, Loris. Histórias ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, Carolyn Pope; GANDINI, Lella; FORMAN, George E. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto

Alegre: Artes Médicas, 1999


NEVES, Gisele. Educação Infantil: Reggio Emilia um novo olhar para a educação. s/d. Disponível em: https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/educacao-infantil-reggio-emilia-um-novo-olhar-para-educacao.htm. Acesso em: 30 jul. 2020.

RIBEIRO, Raiana. Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos. 21 set. 2016. Disponível em: https://educacaoeterritorio.org.br/reportagens/francesco-tonucci-a-crianca-como-paradigma-de-uma-cidade-para-todos/. Acesso em: 30 jul. 2020.

MALAGUZZI, Loris. Histórias ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, Carolyn Pope; GANDINI, Lella; FORMAN, George E. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto

Alegre: Artes Médicas, 1999



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