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O BRINCAR COMO FERRAMENTA DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

- GISELE FREIRE PINHEIRO



Saí da aula “A arte em movimento (Oficina prática: Brincandança)” com o desejo de que outras pessoas pudessem experienciar as sensações que vivi ali: alegria, liberdade, conexão, desprendimento, entre outros. Queria poder colocar tudo o que vi em prática, reviver tudo aquilo.

Na semana seguinte, vi nos conflitos surgidos entre as mães dos usuários que frequentam o nosso serviço, um Núcleo de Apoio a Inclusão para Pessoas com Deficiência, mais do que a oportunidade de colocar o meu desejo em prática, pude perceber o brincar como ferramenta de mediação de conflitos por meio da socialização, estreitamento de vínculos e aprimoramento das relações interpessoais.


Com essa justificativa, a equipe técnica conduziu no dia 30/10/2018, nos períodos da manhã e tarde, o trabalho socioeducativo em grupo especial do mês das crianças, intitulado “Vamos brincar?”.


Para tanto, planejamos e seguimos o seguinte roteiro:

Quebra-gelo: momento de relaxar e dispersar os pensamentos ruins. Foi proposto que os participantes relaxassem, “soltassem” o corpo e em seguida, fizessem e recebessem massagem simultaneamente. Todos foram instigados a dizer o que desejavam deixar do lado de fora, e as palavras foram seguidas da expressão “sai!”. Após isso, sopramos pensamentos positivos em nossas mãos e, de mãos dadas, simbolizamos a permanência deles em nosso meio. O posicionamento em círculo garantiu que todos participassem.

Contextualizamos a ordem das brincadeiras nos baseando no histórico da instituição, de forma que as atividades contassem uma história.



Dinâmica do sorriso: Falamos um pouco sobre o início dos atendimentos, quando as famílias ainda eram um pequeno grupo, reunido no salão da Igreja São Francisco. As dificuldades financeiras existiam, mas as mães não se deixavam abater e se esforçavam para garantir fundos para o projeto que ali nascia.

Os convidamos para ganharem o máximo de dinheiro possível para manter o programa comunitário, fazendo com que os outros sorrissem.

Distribuímos notas (5 para cada pessoa) e pedimos que as pessoas se espalhassem.

Solicitamos que cada pessoa, carregando suas notas, procurasse um colega, ficasse frente a frente com ele e olhasse em seus olhos. A ideia era fazer os colegas sorrirem e ganhar as notas deles. O desafio foi não sorrir junto e manter-se sério durante essa dinâmica.

No final no tempo, quem juntou mais notas foi o vencedor da brincadeira.

Bate o monjolo: Falamos sobre a importância de administrar bem todo o dinheiro arrecadado, tomando cuidado para que ele não se perdesse. Neste sentido, todos nos tornamos guardiões do dinheiro da instituição, passando-o de participante em participante, de forma que nenhum espião pudesse vê-lo.



Um responsável ficou no meio do círculo formado pelos demais familiares, enquanto uma moeda foi passada de mão em mão, ao som da música bate o monjolo. O desafio foi saber com qual participante a moeda estava, ao término da cantiga:


“Bate o monjolo no pilão,

Pega a mandioca pra fazer farinha.

Onde foi parar meu tostão?

Que passou para a vizinha.


Casa, morador e terremoto: O dinheiro adquirido pelas famílias foi importante, mas, um financiamento vindo do exterior, permitiu que tivéssemos uma casa.

Nesta brincadeira propomos que cada família buscasse uma casa, de forma que ninguém ficasse de fora, da seguinte forma:

Formamos trios e 1 pessoa ficou de fora. Pedimos que, deste trio, duas pessoas ficassem uma de frente para outra de mãos dadas, de maneira a formar um telhado; a terceira pessoa ficou no meio das duas. Descrevemos os papéis de cada um: aqueles que estavam no meio das duas pessoas foram chamados de MORADORES, os que estavam de mãos dadas, CASAS. O que sobrou deveria, após o comando, fazer parte de uma CASA ou ser um MORADOR.

Os comandos:

1º) Quando falássemos MORADOR, os MORADORES de cada trio deveriam sair de suas CASAS e procurar uma outra, aquele que estava de fora aproveitaria para procurar uma nova CASA.

2º) Quando falássemos CASA, as CASAS deveriam deixar seus MORADORES e procurar outro MORADOR.

3º) Quando falássemos TERREMOTO, tanto os MORADORES quanto as CASAS deveriam se desmanchar por completo e formar novas CASAS e novos MORADORES.

C, S, Composto: Nesta brincadeira os participantes mencionaram os objetos necessários para manter a casa em funcionamento, seguindo uma mesma categoria, por exemplo: arroz, feijão, macarrão, ou: mouse, teclado, monitor; sem pronunciar palavras compostas ou iniciadas com as letras C e S. O participante com a bola em suas mãos teria alguns segundos para dizer a palavra, ao acertar, jogaria a bola para outro participante, se errasse, sairia da roda. Ganhou o último participante a permanecer na roda.

Teia: Finalizamos a atividade com a formação de uma teia de bons sentimentos e desejos, para serem mantidos dentro da casa e serem praticados entre as famílias.

O responsável que deu início à dinâmica segurou uma ponta do barbante e desejou algo ao próximo participante, para quem jogou o carretel, este, permaneceu segurando a ponta e entregou o carretel para outro colega, novamente desejando algo bom.

Os desejos e a passagem do carretel continuaram até que todos participassem. Ao término, colocamos delicadamente a teia no chão e pedimos que todos a observassem e dissessem o que estavam sentindo em relação ao que haviam acabado de fazer e como interpretavam a teia.

Material utilizado: Notas sem valor, moeda, bola e rolo de barbante.



Discussão do tema a partir de alguns autores (futuro)

Considerei que o brincar poderia ter uma relação direta com a resolução de conflitos a partir das experiências que vivi nas aulas. Inferi que o contato físico, a ajuda mútua, a diversão, entre outros, pudessem fazer com que relações enfraquecidas fossem gradativamente recuperadas.

Ao pesquisar sobre o brincar e a resolução de conflitos, o que mais se aproximou do meu objetivo foram os jogos cooperativos.

Segundo Schwartz, Bruna e Luba (sem ano),

Os conceitos de jogo são complexos e dependem especificamente da concepção filosófica de suas inúmeras teorias. O termo jogo é associado, muitas vezes, à brincadeira, brinquedo, recreação, no entanto, tem um caráter próprio, favorecendo resoluções de problemas de diversas naturezas, permeadas de simbologia.


O jogo é intrinsecamente motivado, espontâneo voluntário e prazeroso, tendo um fim em si mesmo. Essa definição abarcou em parte àquilo sobre o qual eu gostaria de falar quando me propus a escrever sobre o tema e também quando realizei o trabalho socioeducativo com as famílias, afinal, eu não havia utilizado jogos cooperativos.

Somente os jogos cooperativos teriam esse poder? Queria falar sobre um brincar mais livre, menos estruturado, planejado. Comecei a pensar sobre o que o brincar proporcionou àquelas famílias em nossa vivência.

Conseguimos desenvolver todas as brincadeiras planejadas em nosso roteiro. Em algumas houve dificuldade de compreensão por parte dos participantes, mas, estas foram superadas com o auxílio mútuo e não prejudicaram o andamento das atividades, pelo contrário, a cooperação garantiu, desde os primeiros momentos, a aproximação dos integrantes.

As brincadeiras garantiram possibilidades de expressão, comunicação, contato físico, cooperação e aprendizado entre os familiares.

Além disso, o feedback foi positivo. Os responsáveis relataram que se divertiram muito e mencionaram em especial a brincadeira casa, morador e terremoto.

A dinâmica da teia proporcionou reflexões acerca do papel de cada um e das relações interpessoais.

Pudemos contar com o brincar como uma das ferramentas de transformação da demanda mencionada.

Neste sentido, podemos dizer que o brincar atuou de maneira indireta, como um mediador, à medida que promoveu socialização, e a socialização, por sua vez, atuou no estreitamento de vínculos, processo importante para aplacar conflitos.

Portanto, voltei minha pesquisa para o processo de socialização através do brincar, entendendo que este está intrinsecamente ligado à criação e estreitamento de vínculos, necessários para a mediação de conflitos.

Ainda assim, encontrei pesquisas que relacionavam o brincar quase que estritamente as crianças.

Oliveira e Sousa (2008) citam Rosa (1998) ao dizer que: o tema brincar está associado à infância porque a brincadeira é uma atividade típica – mas não exclusiva – da criança; e é na infância que ela se inaugura.



Como afirmou a autora, o brincar não é uma atividade exclusiva da criança, mas, se inaugura na tenra idade, junto ao momento em que, segundo Oliveira e Sousa (2008)

se inaugura o processo de socialização na vida do indivíduo, devendo permanecer este processo ao longo de toda a sua vida.

Os autores citam ainda que esta socialização se utiliza do ludismo, ou seja, das brincadeiras para se manter (pg 1).


Logo, o brincar inaugura e sustenta a socialização, ao mesmo tempo em que a socialização também é inaugurada e sustenta o brincar. Onde existe o brincar também existe a socialização, uma vez que para brincar é necessário estar em contato com o outro ou com elementos culturais externos, e para socializar-se, é necessário internalizar elementos externos, culturais, que vem de fora, do outro, e a criança faz isso por meio da brincadeira.



É neste brincar compartilhado que emerge na vida da criança o processo de socialização. Este que tem como primeiro instrumental o brincar. Assim, já podemos distinguir o verbo substantivado “brincar” do substantivo “brincadeira” (Oliveira e Sousa, 2008).


De acordo com Oliveira e Sousa (2008), que citaram Winnicott (1975):

o ato de brincar ocupa o interstício entre a ilusão, (a fantasia infantil) e o real, (os objetos do mundo real). O brincar é a grande experiência cultural dos indivíduos. A esta área ocupada pelo brincar, Winnicott dá o nome de “área intermediária” ou “espaço potencial”. Este espaço estaria, na primeira infância, entre a mãe e o bebê e foi chamado por Winnicott de “playground” por ser o lugar onde a brincadeira começa na vida do indivíduo. Logo, a criança que brinca habita uma área específica, mas tarde ela trará para essa área objetos (brinquedos) ou fenômenos oriundos da realidade externa.



Na verdade, esta área intermediária está presente na constituição do ser de modo geral, o que a diferencia é o uso que o indivíduo fará dela a cada ciclo de sua vida. Na primeira infância o bebê faz uso deste espaço para criar ilusões; a criança durante a infância utiliza-se dele para brincar; e é nele que o adulto vai desenvolver a sua criatividade.

A área intermediária ou espaço potencial os quais o autor se refere, estão presentes em todas as fases da vida, portanto, há espaço para a ilusão, brincadeiras e criatividade ao longo de todo o ciclo da vida, sendo um essencial para que se alcance o outro e, quando se avança ou se passa de etapa nessas áreas, as habilidades adquiridas na anterior não são anuladas ou inutilizadas, portanto, ainda que estejamos na fase adulta, em pleno desenvolvimento de nossa criatividade, podemos ainda criar ilusões e brincar, desde que sejamos estimulados a tanto.



É possível concluir que, se a socialização se utiliza do brincar para emergir, e o brincar ocupa o espaço potencial (entre a ilusão e o real), do qual todos nós somos dotados, podemos todos, adultos, crianças ou idosos, utilizarmos o brincar como ferramenta de socialização e mediação de demandas conflituosas.


Referências

JOGOS COOPERATIVOS NO PROCESSO DE INTERAÇÃO SOCIAL: VISÃO DE PROFESSORES1

Gisele Maria Schwartz2

Helena César Bruna3

Gustav Marcus Luba4


1 Artigo apresentado como relatório científico ao Núcleo de Ensino/FUNDUNESP, referente ao Projeto nº 693/02.

2 Professora assistente doutora do Departamento de Educação Física – IB/UNESP/Rio Claro.

3 IB/RC/UNESP

4 IB/RC/UNESP


Brincar para Comunicar: A ludicidade como forma de Socialização das Crianças


Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

X Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – São Luis, MA – 12 a 14 de junho de 2008.


Leide OLIVEIRA2

Emilene SOUSA 3

Universidade Federal do Maranhão, Imperatriz, MA


1 Trabalho apresentado no GT – Mediações e Interfaces Comunicacionais, do Iniciacom, evento componente do X

Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste.

2 Estudante de Graduação 3º. Período do Curso de Comunicação Social/Jornalismo, Bolsista da FAPEMA, email:

leide_s@hotmail.com.

3 Orientadora do trabalho. Profª. Msc. Emilene Leite de Sousa, Professora Assistente da UFMA, email:

emilene_l@hotmail.com.




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