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Sensibilizar para o brincar é convidar ao “desembrutecimento” em qualquer fase da vida.

João Batista Macedo Júnior




Para escrever este texto, resolvi usar a primeira pessoa, pois gostaria de discorrer a respeito da experiência de uma pessoa de 32 anos que participou do curso Agentes do Brincar. Por isso, não gostaria de postular sobre o que foi o curso, e sim, sobre o que eu senti e pensei. Sinto que o universo da brincadeira convida a falar sobre o que sentimos e não sobre o que pensamos a respeito do que sentimos.

Entendo que a formação em Agente do Brincar tem como objetivo convidar um público interessado a passar por experiências relacionadas ao universo da brincadeira, como uma forma de ativar as potencialidades que esta prática fomenta. Tendo a pensar trata-se de uma forma interessante de fomentar conexões com o presente e com o corpo, criando significados e sensações que nos deixam diferentes.

Na minha opinião, a distância cotidiana das experiências lúdicas colabora para processos de embrutecimento. Chamo de embrutecimento toda a incapacidade de adaptação ou de navegação entre diversos tipos de sentimentos que temperam a experiência de vida. Ou seja, quanto mais embrutecidos, menos desenvolvemos a capacidade de perceber novas nuances e camadas situacionais.

No meu cotidiano, não conseguia reservar muito espaço para atividades não relacionadas ao trabalho e ao estudo. Isto ocorre desde que eu comecei a trabalhar, por volta dos 16 anos. Por isso, acho que muito do meu potencial lúdico, acabei usando como lente para interesses acadêmicos e oportunidades de trabalho. No entanto, sinto que ambos contextos não estavam necessariamente abertos para este tipo de projeção.

Como exemplo, utilizo uma brincadeira de roda. Acho curioso como este tipo de brincadeira ludibria a percepção do tempo. Sem um juízo de valor sobre a pertinência desse tipo de atividade, mas simplesmente pelo potencial de burlar com a percepção do tempo, já existe aí um aspecto instigador.

Creio que a formação oferecida IPA (International Player Association) em parceria com o CPS (Centro Paula Souza) colabora para um tipo diferente de formação profissional, pois, uma vez que estas experiências lúdicas estejam latentes no corpo e na memória de cada integrante do grupo, para aí então, munidos de um novo estado de percepção que os momentos proporcionam, formar-se um grupo de multiplicadores e formadores de opinião que crie espaços de discussão acerca da importância e da aplicabilidade de tais práticas brincantes nos mais diversos ambientes e por meio das mais diferentes ferramentas.

Trata-se de uma linha de trabalho que dialoga com conceitos como: inclusão, tolerância a diversidade, ocupação da cidade, combate à violência, comunicação não-violenta, mediação de conflitos e a cultura de paz. Além de colaborar para a transformação das práticas pedagógicas, já tão conhecidamente ultrapassadas. Ou seja, trata-se de colocar o brincar como uma forma de construção de conhecimento prático, sensível e emocional, onde teoria e prática se inter-relacionam de forma harmônica.

É neste indefinível que está o brincar, e é este indefinível que traz seriedade, relevância e emergência ao brincar na nossa sociedade. Gostaria de convidar o leitor deste texto a uma pequena experiência: resgatar da memória alguma experiência pessoal na qual participou de algum tipo de brincadeira. Ao recordar imagine que esta experiência é uma pessoa de carne e osso. Esta pessoa, tem nome, tem um tamanho, tem uma peso, tem preferências pessoais, tem uma família, tem um tom de voz, tem um cheiro, se veste de uma maneira específica, etc. Ao compor este retrato, pergunte-se:


· Gostaria de rever esta pessoa mais vezes?

· O que esta pessoa teria para me dizer?

· Sobre o que eu gostaria de conversar com esta pessoa?

· Conheci outras pessoas como esta?

· Quando desejo, consigo lembrar-me desta pessoa com precisão, ou sua imagem é borrada?

· Gostaria de ficar perto desta pessoa, mesmo sem trocarmos palavra alguma?


Enfim, acho que a personificação ajuda no exercício de dimensionar o impacto de convivermos com experiências íntimas com o universo lúdico. Para mim, este resgate foi como voltar a frequentar a casa de alguém que me acolhia sem me cobrar muitas informações ou precedentes. Uma pessoa que sabia a hora me convidar e de me mandar embora.


Como este desafio, gostaria de provocar ao leitor sobre a habilidade de sentir coisas muito diferentes, mesmo que em experiências muito sutis ou até imaginárias como o que foi proposto acima.

Este texto brinca com palavras e imagens assim como o Curso dos Agentes do brincar, desenvolve suas atividades com um grupo, de forma a ajudar seus indivíduos a terem vontade de tornarem-se brincadores na vida, nas mais diferentes situações e locais, permitindo que esta vida aconteça dentro dos limites inerentes a ela, porém sem esmagamentos desconfortáveis. O brincar é apresentado como algo gostoso e que pode ser feito por todos os perfis de pessoas.

Penso que o exercício do brincar proporciona experiências que as palavras, ao nomear, embrutece. Por exemplo, em certa aula, o professor atrasou e durante este tempo, alguns colegas e eu, começamos a brincar em sala, mesmo que sentados na cadeira. Jogamos com canetas e papéis. A esta experiência, poderia dar-se o nome de “emancipação”, “distração”, “diversão”, “gestão do tempo”, “aproveitamento de materiais”, enfim, todos termos que tocam questões relacionadas a brincadeira realizada, mas não definem a experiência vivenciada com precisão.

Penso que este tipo de sensibilização proposta pelo curso é importante para que o processo de “desembrutecimento” aconteça, processo este que deve ser bem vindo em qualquer fase da vida.

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