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163 itens encontrados para ""

  • SERÁ QUE BRINCAR É IMPORTANTE?

    LÚCIA BISSOTO MEDEIROS Nasci no asfalto e paralelepípedos, sou bem urbana, de árvore só as três na calçada em frente de casa, uma enorme que ficava bem na esquina, mas sempre a olhava de baixo nunca me aventurei nas alturas. Meu universo era o chão, a calçada, o asfalto, joelho ralado e reralado. Pega pega, esconde esconde , bola, queima, corda, Mãe da rua, tudo pelas ruas tranquilas do Tatuapé. Não havia metrô, na rua mal passava carro e ônibus só na Celso Garcia. Dentro de casa mais brincadeiras, faltou luz? Não tem problema, pega lampião, corre buscar a vela e lá vamos nós criar animais, alguns doces outros aterrorizantes, a mão era o poder da criação: cobra, jacaré, coelho, pássaros. O tempo passava calmamente na sombra bruxuleante das paredes, para mim, minhas três irmãs e meu pai. Ele, uma pessoa apegada às letras, tinha uma biblioteca no corredor de casa , alta, grande, cheinha de livros e enciclopédias: Barsa, Delta, Tesouro da Juventude (esse era bem legal! Perguntas e respostas bem interessantes), livros de capa marrom com romances consagrados, coleção do Monteiro Lobato, livros do Círculo do Livro e outros mais, mas o que eu mais gostava era da coleção de livros coloridos de capa dura com histórias infantis. Para mim a melhor de todas era a história da Corsa, achava a personagem linda !!!! Adorava desenhar e redesenhar as imagens daquele livro, aliás, não só daquele livro , mas de tudo, sempre gostei de desenhar, o que me levou a ser desenhista e ter a alegria de ser paga para desenhar  Voltando à casa de antigamente, a noite minha mãe ficava na correria da organização da casa e nós , junto com meu pai, iniciávamos a brincadeira na cozinha. Canudinho de plástico, pedaços de papel e a competição começava para ver quem conseguia levar mais papéis de uma lado a outro da cozinha. Outras vezes era o Rouba Monte, castelo de cartas, dominó com baralho, escravos de Jó com caixas de fósforo. Outras noites , caixote na calçada, ele com seu cigarro e nós na rua a brincar na noite paulistana com alegria e sossego junto das crianças e jovens da vizinhança . Jogávamos queima, Mãe da Rua, Seu mestre mandou, barra manteiga, voley, corda e outras mais. Nós seis morávamos com minha avó paterna, ela compunha o acervo musical de casa. Portuguesa, adorava cozinhar cantarolando. Não faltava também as panelinhas, bonecas, comidinhas junto das amigas de minha irmã mais velha. Elas tinham uma casa completa! Meu sonho de consumo: armários, panelas, garfinhos, pratinhos, tudo miniatura, maravilhoso! A filha da Marina, cabelereira do bairro, tinha mais utensílios e nós nos divertíamos brincando às vezes na casa de uma, às vezes na casa de outra, mas o que me fascinava era o quintal do salão de beleza, para mim era um lugar mágico, adorava brincar lá. Na casa das outras amigas também tinha algo mágico, mas era diferente, era a magia do teatro: ensaio, lençol, comida, roupas especiais. Nos degraus do quintal apresentávamos a peça ensaiada com direito a aplausos e frio na barriga, encantos das tardes de verão. E o brincar, onde entra? Confesso que o brincar livre ainda me inquietava, o brincar direcionado para o aprendizado e o brincar livre na primeira infância tinha certeza da importância, mas quando vi as crianças e jovens no Projeto Âncora em alguns momentos andando livremente, correndo, sem um direcionamento me deixou curiosa, assim como nos intervalos das atividades escoteiras, as crianças corriam, pulavam, saiam da vista, isso me incomodava, será que não era melhor dar alguma atividade para eles? No final do ano passado resolvi focar num novo caminho profissional. Sou designer têxtil e infelizmente essa área está muito depreciada; muita falta de ética, muita cópia e quase nenhuma criação, além disso, o objetivo final é o consumo, o instigar as pessoas a comprarem cada vez mais, a terem necessidade de mudar o guarda roupa a cada estação e isso me deixava cada vez mais insatisfeita então resolvi mudar de área, gosto muito das atividades junto aos jovens e crianças, então resolvi associar meu lado profissional ao educacional e desenvolver projetos junto a pessoas de vulnerabilidade social. Por orientação de um professor, iniciei em março deste ano trabalho voluntário numa ONG, lá dou aulas de artesanato para jovens. No mês de julho pediram ajuda para que os voluntários ficassem com as crianças. Foi feito uma programação, mas tiveram vários momentos sem atividade e eles começaram a brincar livremente, a jogar, a nos ensinar brincadeiras. Achei bem interessante, gostei da liberdade deles. Nas aulas de evangelização procuro sempre instigar os jovens a buscarem as resposta, a refletirem, a procurarem ter autonomia, a escolherem as próprias atividades a terem liberdade nos estudos e de repente vejo isso no brincar! Algo despertou dentro de mim. Na mesma época, uma amiga me convidou a fazer o curso de Agentes do Brincar na ETEC, e para minha surpresa o curso foi de encontro à descoberta do brincar livre. Um novo universo se abriu e aprendi que o brincar livre exercita a criatividade, faz com que a criança desenvolva sua capacidade de raciocínio, liderança, coletividade, respeito, disciplina, resiliência, a suportar frustação, decepção, tristeza. Se todos tivessem essa certeza, muita coisa seria diferente. Os pais não ficariam preocupados que o filho de 5 ou 6 anos ainda não sabe ler, que a escola oferece muito tempo ocioso, que o filho não tem ainda a agenda cheia e pode ficar preguiçoso, que a escola não dá muita lição de casa, enfim, preocupações de quem se importa com a vida profissional e deixa de lado a preocupação principal, ensinar o filho a viver e a se conhecer. Deixo abaixo algumas reflexões que vão de encontro a meu atual modo de pensar. “A natureza – quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens. Se quisermos perturbar essa ordem, produziremos frutos prematuros que não terão nem madureza nem sabor, e não tardarão a se corromper; teremos doutores infantis e crianças velhas. A infância tem maneiras de ver, de pensar, de sentir que lhe são próprias.” (ROUSSEAU, 2004:76) ROUSSEAU, Jean Jacques. Ensaios Pedagógicos. Bragança Paulista: Editora Comenius, 2004 Com certeza, a resposta à minha pergunta é SIM: Brincar é coisa séria

  • CORDEL DO BRINCAR

    - Maria Meire Souza Lopes - Hoje o texto é um pouco diferente. A aluna que acaba de terminar o curso de A gente do Brincar (parceria da IPA com a Etec Parque da Juventude) escreve sua visão do brincar em forma de cordel: Quando eu era criancinha Era livre pra valer Acordava bem cedinho Pra ver o sol nascer Só parava de brincar Ao entardecer. Minha família é bem grande São ao todo onze irmãos Passamos por dificuldades Sem deixar a união Pai e Mainha sempre nos deram Uma boa educação. A gente brincava deveras, Mas precisava também trabalhar Trabalhava na roça e no engenho de cana, Eram muitas bocas para alimentar Tudo foi superado... Agora, só motivos pra festejar. De lá até aqui Muita coisa aconteceu Da Bahia para São Paulo, meu mundo simplesmente cresceu, A saudade bate forte Mas o vínculo em família só fortaleceu. Da minha história, falaria horas a fio, Mas de assunto vou mudar. No Vestibulinho eu passei E serei Agente do Brincar A Ipa e a ETEC são demais Minha carreira irá alavancar. Sobre o curso do brincar Teve uma aula que muito me marcou Foi um tema interessante Que sobre conflitos falou Aula da Mariane de Carvalho Uma psicóloga muito show. Teve Resolução de Conflitos, E Vínculos em família e comunidade Todos envolvendo a criança E suas formas de afetividade. Ela conhece bem o assunto Fala com sensibilidade. O conflito surge Em qualquer ambiente Pode ser criança ou adulto Com opinião diferente Um olhar atravessado Já é mais que suficiente. O conflito aparece Em qualquer situação Em grupinho de criança Sempre tem confusão É normal para idade Não imponha uma solução. Em ambientes com criança O conflito é inevitável A disputa por brinquedo Não é tão desagradável Elas se acertam e se entendem Com o facilitador responsável. O vínculo humano é importante Para o desenvolvimento emocional Gera amor e segurança Cria uma base estrutural Levamos pra vida adulta Um ser humano sem Igual. O brincar desenvolve A linguagem e a cognição Usa a criatividade E também a imaginação Aprende-se muita coisa Inclusive a compaixão Quando o assunto é conflitos Requer resolução Estudar é sempre bom, Entra aqui a comunicação A CNV ajuda bastante, Para usá-la, é preciso dedicação. A Comunicação Não Violenta Ensina-nos a ter empatia Desenvolvida por Marshall Rosenberg Formado em Psicologia. Mostra como podemos agir E pelo outro ter simpatia. Devíamos assumir Uma postura compassiva Com o ser que está ao lado Ser compreensiva Enxergar a alma humana Às vezes, apreensiva. Agora vou falar De algo muito especial O convívio em família É primordial Gera afeto e estabilidade É um grande referencial. Estamos sempre juntos Meu esposo, meu filho e eu. Criando vínculos em família Por isso o assunto me envolveu O tema é interessante E a mediação me comoveu. Não trabalho com crianças Mas tenho em casa um “pimentinha” Deixa-me de cabelos em pé Me faz perder a “linha” Gera conflitos em família Imagina na escolinha. I A vida da minha família Não é só confusão Sempre conversamos Com respeito e animação Nossa família é bem grande É cheinha de união. A gente brinca pra caramba Diverte-se de montão Faz casinha, faz cabana Faz até um caminhão Nem precisa de brinquedos Só usar a imaginação. O brincar é lúdico É cheio de sentimento A criança pula e se arrisca Sem nenhum planejamento Cria-se autoconfiança E gera pertencimento. Com crianças pequeninas O que fala é a emoção Não tem como evitar A temida frustração Tudo se resolve Com uma boa mediação. O Agente do Brincar É um novo profissional Quer o seu lugar No território nacional Diverte a garotada De maneira bem legal. Vou levar comigo O ensinamento que aprendi Quero a todos apresentar O que sempre defendi. O brincar é livre e divertido, Realmente me surpreendi. O curso do brincar Foi maravilhoso e excelente Aulas bem elaboradas conteúdo pertinente A todos, meu muito obrigada, Agradeço imensamente.

  • A importância do mediador do brincar inclusivo nas relações

    - Tânia Alves - Ser Mediadores do Brincar Inclusivo foi um lindo presente na minha vida! Começando com a interpretação crítica da lei, compreendendo o poder da música, percebendo que é com a simplicidade dos materiais, na confecção e adaptação dos brinquedos que nascem seus lindos significados afetivos, não só para a criança, mas também para quem faz a mediação do brincar, visto pelo olhar brilhante de cada um dos nossos professores. O brincar faz parte e é de total importância para o desenvolvimento biopsicossocial de toda criança, e todas elas têm o direito ao acesso ilimitado e sem privações ao universo das brincadeiras, inclusive aquelas (seja qual for) com deficiência. Com a correria do dia a dia, os compromissos com o meu filho entre as idas aos especialistas que os acompanham pelo SUS, os afazeres de casa, estudos, projetos acadêmicos, iniciativas sociais entre outras atividades, não havia percebido que a minha criança interna estava se apagando, sumindo. Foi um despertar para a importância do brincar, brincar de forma inclusiva, não só com o meu filho, desta maneira, propagando e mostrando as infinitas possibilidades de brincar, do fazer brincar e de compartilhar com qualquer pessoa e idade. Finalizo o meu singelo texto com a fala de Rubem Alves. “Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado." Rubem Alves. Passarinhos - EMICIDA (Part. Vanessa da Mata) Despencados de voos cansativos Complicados e pensativos Machucados após tantos crivos Blindados com nossos motivos Amuados, reflexivos E dá-lhe antidepressivos Acanhados entre discos e livros Inofensivos Será que o sol sai pra um voo melhor Eu vou esperar, talvez na primavera O céu clareia e vem calor vê só O que sobrou de nós e o que já era Em colapso o planeta gira, tanta mentira Aumenta a ira de quem sofre mudo A página vira, o são delira, então a gente pira E no meio disso tudo Tamo tipo Passarinhos Soltos a voar dispostos A achar um ninho Nem que seja no peito um do outro Passarinhos Soltos a voar dispostos A achar um ninho Nem que seja no peito um do outro Laiá, laiá, laiá, laiá Laiá, laiá, laiá Laiá, laiá, laiá, laiá Laiá, laiá A Babilônia é cinza e neon, eu sei Meu melhor amigo tem sido o som, ok Tanto carma lembra Armagedon, orei Busco vida nova tipo ultrassom, achei Cidades são aldeias mortas, desafio nonsense Competição em vão, que ninguém vence Pense num formigueiro, vai mal Quando pessoas viram coisas, cabeças viram degraus No pé que as coisas vão, jão Doidera, daqui a pouco, resta madeira nem pro caixão Era neblina, hoje é poluição Asfalto quente queima os pés no chão Carros em profusão, confusão Água em escassez, bem na nossa vez Assim não resta nem as barata Injustos fazem leis e o que resta pro ceis? Escolher qual veneno te mata Pois somos tipo Passarinhos Soltos a voar dispostos A achar um ninho Nem que seja no peito um do outro Passarinhos Soltos a voar dispostos A achar um ninho Nem que seja no peito um do outro Laiá, laiá, laiá, laiá Laiá, laiá, laiá Laiá, laiá, laiá, laiá Laiá, laiá Passarinhos Soltos a voar dispostos A achar um ninho Nem que seja no peito um do outro Passarinhos Soltos a voar dispostos A achar um ninho Nem que seja no peito um do outro Que todas as crianças e adultos independente das limitações, tenham voz e direito de fazer escolhas, voem livremente como os pássaros na natureza à procura de um ninho, do seu próprio espaço, mesmo que talvez seja preciso um ao lado do outro, juntos!

  • Pequenas histórias do brincar

    - Raiza Santos - “E ê criança presa ê, brinquedos de trapaças Quase sem história pra contar Você criança tão liberta me tire dessa peça, E assim ter história pra contar Estrela que brilha em meu peito e me leva pro céu Em cantos cantigas canções de ninar Me deixa no galho no galho da lua No charme do sol pra me despertar” (Música Amigo do sol, amigo da lua de Benito Di Paula) Nasci em Belém, não a da Palestina onde o Menino Jesus nasceu, e sim a que fica no Pará, aquela estrela solitária na bandeira do Brasil. Pisciana do ano de 1990, passei por essa década brincando em casa, na passagem Vitória onde morei, no conservatório de música Carlos Gomes, nas escolas Paraíso Infantil e na escola conveniada à prefeitura Dona Alzira Teixeira de Souza, e também numa transportadora de palmito onde minha mãe trabalhava com minha madrinha, por vezes minha madrinha levava sua filha e ficávamos brincando de boneca e casinha na sala de nossas genitoras. As brincadeiras de casa, que às vezes eram na minha, nas casa dos meus avós ou na casa dos vizinhos, também se concentravam nessa brincadeira mais “comportada” do brincar de boneca, de casinha, de secretária, de cabana, de vídeo-game, adedonha, desenho, pintura, leitura de livros e construção de brinquedos. Certa vez na casa dos meus avós, peguei o martelo, pregos, serrote do meu avô e ele que me observava, mas em nenhum momento me impediu de pegar ferramentas tão “perigosas” só me dizia “Cuidado com os dedos!” Inspirada em uma leitura da revistinha do Chico Bento, queria também ter uma perna de pau, não para roubar as goiabas do Nhô Lau, e sim para poder ver o mundo de cima, olhar o horizonte, olhar mais além da janela dos meus avós. As brincadeiras de rua eram as minhas favoritas, pois reunia pessoas da minha rua e de outras ruas próximas, e em alguns momentos brincávamos no período da tarde até à noite e não víamos a hora a passar. Em Belém, a palavra pique, presente nos nomes de algumas brincadeiras do sudeste foi transformada por pira: pira se esconde (era assim que falávamos. Outra peculiaridade desta brincadeira é que além de contarmos virados para a parede, criamos uma variação com a garrafa pet, onde ela era a base, e quando a criança que estava escondida chegava batia com a garrafa pet no chão), pira pega, pira-alta, pira parede. Brincar de elástico e pular corda nunca foram o meu forte, pular e alcançar o elástico na altura da cintura já era uma dificuldade para mim, se fosse na altura dos dedos levantados para cima então, nem pensar para mim. Brincar de boneca, brincar com as barbies, para mim era tão prazeroso quanto o pira se esconde. Das histórias das Barbies, duas ficaram para a história. A primeira se trata de quando eu devia ter entre seis e oito anos, e conheci uma menina que morava na rua detrás, e a janela da casa dela se encontrava com a janela dum quarto da minha casa que eu chamava de quarto do brincar. Entre as duas janelas havia o quintal da vizinha. Uma vez enquanto conversávamos cada uma na sua janela, ela pediu para vir brincar em casa, eu não pedi permissão à minha mãe e disse que sim, quando dei por mim, a menina saiu por sua janela, que assim como a minha ficava no primeiro andarda casa, e com a destreza de uma escaladora, desceu, chegou no muro do quintal da vizinha, atravessou e subiu o muro novamente até chegar na janela do quarto da minha casa. Então entrou, brincamos por uma tarde inteira e do mesmo jeito que entrou na minha casa, também saiu por debaixo do meu olhar atônito, que não viu em nenhum momento aquela menina esboçar uma feição de medo de altura. A seguinte história me traz a sensação de libertação. Por vezes eu ia brincar de Barbie na casa de uma amiga da onça, que gostava de se manter como a dona da brincadeira. Eu levava os meus brinquedos, e lá na casa dela montávamos então a casa da Barbies juntamente com os brinquedos dela, no entanto toda vez que eu pedia algo emprestado dela, ela simplesmente me negava, e toda vez que ela pedia algo emprestado meu eu deveria ceder pois se não fosse assim, naquele momento mesmo a brincadeira acabava. Claro, eu sempre fui a besta, sempre cedendo às vontades dela para que a brincadeira não acabasse, assim como a Clarice Lispector em Felicidade Clandestina, que ia todos os dias à casa de sua amiga da onça na esperança de que a malvada emprestasse o livro Reinações de Narizinho. Um dia, eu saí de casa decidida, “caso ela me venha com as mesmas churumelas, ela vai ver só!” A brincadeira começou e em um dado momento aconteceu, pedi algo emprestado e ela negou e disse que a brincadeira terminaria caso eu voltasse a pedir, então no mesmo instante comecei a colocar meus brinquedos na sacola e só disse “Então tá!”. Ela nunca imaginaria isso, e no mesmo instante recobrou sua bondade e me emprestou o bendito brinquedo. Enfim me libertei da opressão que a olho de gato (ela tem olhos castanhos claros) impunha. Me constituí gente pela brincadeira, sorri quando andei no patins emprestado do meu vizinho e não caí de bunda no chão, chorei aos seis anos quando a professora não me deixou brincar de cabo de guerra por eu ser a menor da turma, me lambuzei de lama ao ter escorregado nela durante um pira pega, me aventurei andando de bicicleta por ruas vizinhas, e foi na bicicleta que aprendi a calcular certinho o espaço entre o poste e a calçada (só que não), e como frear uma bicicleta desembestada no poste e quebrar seu braço por conta disso.

  • Brincar... Uma terapia diverti:)a

    - Claudia Rodrigues Zanardi - Brincar é um ato natural do Ser Humano. Já na barriga da mãe o feto dá suas cambalhotas e responde aos estímulos que vêm de fora como por exemplo a luminosidade, sons e principalmente a voz da mãe. Depois que o bebê nasce os adultos tendem a brincar o tempo todo com o pequeno estimulando com mudanças na voz, toques, brinquedos... e conforme passa o tempo a criança vai ficando mais esperta e as brincadeiras mais divertidas. Todavia, brincar não é só uma forma de distrair a criança. A brincadeira é uma importante e imprescindível ferramenta para o desenvolvimento do bebê tanto pedagógico, quanto físico e social. O ato de brincar possibilita diversos movimentos, trabalha vários músculos, e também o cérebro. Com a brincadeira a criança aprende de forma leve e descontraída. Para as crianças com necessidades especiais a brincadeira é coisa ainda mais séria. A brincadeira é uma ferramenta imprescindível no trabalho com crianças que têm necessidades especiais, oferece a essas crianças a oportunidade de desenvolver suas potencialidades e ser incluída no mundo real como uma pessoa capaz de Ser, Fazer e Viver. Buscar o desenvolvimento das crianças especiais através de brinquedos e brincadeiras é uma forma eficaz e divertida de despertar o interesse e propor uma terapia prazerosa. Para que isto aconteça não é preciso dispor de brinquedos caros, muito pelo contrário. Trabalhar com brinquedos não estruturados, construir brinquedos a partir de recicláveis e promover vivências às crianças criando experiência é a melhor forma de auxiliar no desenvolvimento e aprendizagem de pessoas com deficiência. O brinquedo construído pode ser adaptado conforme a necessidade da pessoa. A musica é um fator positivo na aprendizagem das crianças. Trabalhar a musicalização oportuniza desenvolver coordenação MOTORO-auditiva, concentração, sensibilidade e emoções. Junto à música, a dança é mais um instrumento eficaz no trabalho com pessoas com deficiência. Pequenas coreografias, dança de roda, movimentos repetitivos, tudo isso é brincadeira encantadora e estimulador natural para as crianças. As brincadeiras funcionam também como um meio de inclusão. Um educador atento e com boa vontade deve enxergar as necessidades de suas crianças e oferecer brincadeiras que possibilitem a participação de todos. Não é a criança que tem de adaptar-se à realidade e sim a realidade ser mudada para atendê-la. O curso Brincar Inclusivo deu ferramentas e possibilidades de trabalho mostrando como é possível incluir as crianças, independente de suas necessidades. Eu já pude realizar algumas experiências em casa com meu filho. Construí brinquedos, chocalhos, fizemos música, dançamos, contamos histórias musicadas, pintamos, encenamos e por fim pudemos constatar que brincar é para todos. Na ONG Musicar-Te onde presto trabalho voluntário pude também fazer experiências e oferecer a chance das crianças brincarem. Foi possível constatar que ficou muito mais fácil incluir as crianças mais tímidas de maneira que não as expusesse assim como as crianças mais agressivas envolveram-se mais com as brincadeiras. Começo a enxergar o Ato de brincar de outra forma, não só como uma diversão, mas também, como uma forma de terapia física e psicológica que integra as crianças e promove o seu desenvolvimento. Permitindo que eu mesma vivenciasse meu corpo e vencesse algumas barreiras o que facilitou o trabalho com as crianças.

  • A criança e a escola

    - Marilena Flores Martins - "Você pode equilibrar melhor sua vida se participar de algumas atividades por puro divertimento, mais do que daquelas que imagina que serão um diferencial para conseguir emprego. As relações humanas que você construir com seus colegas podem ter uma influência maior em sua vida futura do que o número de cursos que você fará.” - Carl Honoré (Filósofo escocês). As estatísticas apontam que 3,8 milhões de crianças e adolescentes brasileiros em todo o País estão fora da escola. O perfil dos excluídos mostra que a maioria, em qualquer faixa etária, é formada por negros, mora no campo, é pobre ou vem de famílias em que os pais tiveram pouca ou nenhuma escolaridade. As crianças e os jovens de segmentos específicos como: quilombolas, indígenas, com deficiência ou em conflito com a lei, também são grandes vítimas da exclusão. Por essas razões, vencer os desafios não é fácil. Grande parte (45%) dos 3,8 milhões de crianças e adolescentes que estão fora da escola tem entre 15 e 17 anos. Eles representam 1,7 milhão de pessoas. E, especialmente para eles, “a escola muitas vezes não faz sentido”.(IBGE-2010). Podemos avaliar que essa exclusão certamente começou muito antes e demonstra que as competências necessárias para o aprendizado não foram desenvolvidas no tempo e espaço adequados. Tanto a educação quanto o olhar da sociedade sobre as crianças, suas necessidades e direitos não têm caminhado no ritmo desejado. Ainda nos guiamos por muitos paradigmas ultrapassados tais como: “criança pequena não sabe de nada”; “ para a criança pequena é só preciso cuidar da saúde e da alimentação”; “criança precisa de disciplina, precisa saber quem é que manda”, “ brincar é perda de tempo”, “quando brincam, ficam fora de controle”. Essa nova concepção de criança, bem como do seu atendimento desde muito cedo, na educação infantil, abre espaço para o debate em relação a deixar para trás, por parte das instituições, a prática do acolhimento apenas pela ótica do cuidado e passa a abranger o recebimento da criança sob a ótica da educação. Pesquisas realizadas pela Universidade de São Paulo (USP) e por pesquisadores da Universidade de Londres e de Oxford chegaram a resultados semelhantes, ou seja, concluíram que a freqüência precoce às creches e pré-escolas não é, por si só, condição de sucesso escolar futuro. Educar uma criança para a liberdade e a autonomia, fatores determinantes para o sucesso de cada um, além de oferecer-lhe as condições adequadas, implica em respeitar os seus tempos e necessidades, concedendo-lhe voz e direito de se manifestar tanto na concordância quanto na discordância, mesmo ainda bem pequena. Isto não significa “deixar fazer o que quer”. É preciso repensar na sua condição de sujeito de direitos e não de objeto da ação, que deve ser ouvido, olhado com respeito, ter a responsabilidade de decidir coisas com as quais já pode arcar, ser compreendido como um ser humano integral, com direitos a serem atendidos por todos os adultos. A qualidade da educação infantil é que faz a diferença na vida das crianças, condicionando seu bom desempenho escolar e comportamental nos anos seguintes. Mais importante: crianças que frequentaram pré-escolas de baixa qualidade não apresentavam ganho algum, se comparadas àquelas que sequer chegaram a frequentar escolas na primeira infância. Por outro lado, existe ainda uma nova corrente de educadores nacionais e internacionais, que defende que a escola deve oferecer às crianças, experiências de felicidade. A professora Ariana Cosme, da Universidade do Porto (Portugal) e especialista nas áreas da gestão e organização do trabalho pedagógico e da intervenção com crianças e jovens em risco de insucesso escolar, lembra que: “Mais do que trazer alegria, as instituições devem fazer com que os alunos saiam da zona de conforto, devendo as escolas ser espaços de felicidade para os alunos que as freqüentam”. O educador Loris Malaguzzi (Reggio Emiglia) no seu artigo: “Sua imagem da Criança: Onde o ensino começa”, enfatiza: “A qualidade e a quantidade de relações entre vocês como adultos e educadores também reflete a sua imagem da criança. Crianças são muito sensíveis e podem captar rapidamente o que ocorre com os adultos do seu mundo. Elas compreendem quando os adultos estão trabalhando juntos de maneira verdadeiramente colaborativa ou se eles estão separados de alguma forma uns dos outros, vivenciando suas experiências como se fossem do âmbito privado, com muito pouca interação." A educação, inclusive a infantil, deve ter por objetivo principal formar cidadãos críticos e criativos, com condições para inventar e ser capazes de construir, cada vez mais, novos conhecimentos. Neste sentido, a pesquisadora e educadora Ana Teberosky, da Universidade de Barcelona, lembra que na escola “é preciso acabar com a oposição entre brincadeira e aprendizado. O jogo do faz-de-conta, de caráter simbólico, contribui para a construção do conhecimento”. No espaço escolar as crianças aprendem com outras crianças e com outros adultos, que não são o pai e a mãe. Ao mesmo tempo, existe a possibilidade de aprendizagem compartilhada, com diversas crianças ao mesmo tempo. É bem diferente de aprender sozinho. Nesse processo o brincar tem papel preponderante para a criança: · Desenvolver a criatividade, a sociabilidade e as inteligências múltiplas; · Ter oportunidade para aprender a jogar e a participar ativamente; · Enriquecer o relacionamento com outros alunos; · Reforçar os conteúdos já aprendidos; · Adquirir novas habilidades; · Aprender a lidar com os resultados e com as frustrações; · Aceitar e construir regras; · Respeitar as regras estabelecidas; · Fazer suas próprias descobertas; · Desenvolver e enriquecer sua personalidade com mais empatia; · Favorecer a autoconfiança e a concentração. Todas essas reflexões nos levam a concluir que, ao lado da mudança de paradigmas culturais, ação legislativa, gestão adequada dos recursos, a formação dos professores e educadores, que trabalham diretamente com as crianças, e o currículo adotado são fatores que devem ser considerados quando se trata da qualidade do ensino, ao lado da infra- estrutura da instituição – que inclui tanto o prédio como o mobiliário, os brinquedos e materiais pedagógicos – e a relação com as famílias e a comunidade.

  • Competências que preparam para a vida

    - Marilena Flores Martins - “Praticamente, 65% dos empregos que as crianças irão ter, ainda não foram criados” – Salman Khan Todos os que atuam com ou para crianças expressam, por diferentes maneiras, a sua preocupação referente à vida futura das mesmas, principalmente em relação ao seu futuro profissional. Pais, educadores e especialistas não têm como saber, com precisão, quais as habilidades técnicas que elas precisarão adquirir para obter sucesso, tanto na vida pessoal quanto na profissional. No entanto, podemos afirmar que o desenvolvimento de algumas competências e habilidades certamente aumentará as suas possibilidades de sucesso. As crianças precisam saber: se comunicar, trabalhar colaborativamente, se relacionar com diferentes pessoas, serem criativas, perseverantes, flexíveis, pensar criticamente e resolver problemas. Além destas, a aquisição de outras competências igualmente importantes, nos leva a indagar sobre as condições adequadas para que essas oportunidades sejam oferecidas às crianças. O enriquecimento do ambiente, que inclui o fortalecimento de vínculos afetivos e sociais, principalmente na faixa etária de zero aos seis anos, influencia diretamente no processo de desenvolvimento da criança podendo-se dizer que são fundamentais nessa fase: a estimulação humana, o tipo dos vínculos afetivos existentes e a atmosfera emocional adequada, que, dentre outras, desenvolvem a comunicação verbal e a linguagem, fatores importantes para o aprendizado, para a aquisição de competências sociais e para o controle adequado dos impulsos. Do ponto de vista do desenvolvimento cerebral, outra pesquisa igualmente importante, realizada pelo Departamento de Psicologia da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos (2012) defende a tese de que crianças agem e pensam como cientistas, uma vez que, mesmo na idade pré-escolar são capazes de tirar conclusões com base em análises estatísticas. Elas também aprendem por experimentos individuais e pela observação dos colegas. No que se refere às condições ambientais, a interação mãe-criança e a convivência propiciada em ambientes inclusivos e lúdicos contribuem decisivamente para o pleno crescimento do potencial infantil. A sintonia entre os seres humanos se inicia com a ligação mãe-bebê com as primeiras trocas de sorrisos e as primeiras brincadeiras. Este modelo é que irá influenciar as demais brincadeiras humanas. Daniel Goleman, que popularizou o conceito de inteligência emocional, lembra que: “Alguém emocionalmente inteligente tem quatro características básicas: traquejo social, autoconhecimento, empatia e, acima de tudo, perseverança.” Acrescenta ainda que as habilidades sócio-emocionais são parte de um conjunto de fatores, como o tipo de formação, o interesse em aprender sempre e o apoio da família. A inteligência emocional é mais um elemento do grupo. Neste aspecto é preciso destacar o aumento de horas em que as crianças, ainda pequenas, ficam na frente das telinhas com resultados negativos para o seu desenvolvimento tais como: obesidade, queda no desempenho escolar e distúrbios do sono. Esses dados são da Academia Americana de Pediatria-AAP (2014), referência para pediatras do mundo todo, inclusive do Brasil. Pesquisa complementar, de julho de 2014, demonstrou que uma TV continuamente ligada em uma sala onde uma criança está envolvida em outra atividade, também a prejudica. Tem impacto na função executiva do cérebro, responsável por várias funções cognitivas como: organização de memória, planejamento e socialização. Os bebês são os mais prejudicados, pois mesmo em atividades conjuntas nas creches onde a TV fica ligada, podem ficar olhando para a tela, fascinados com sons e cores, mas os seus cérebros são incapazes de dar sentido às imagens, uma vez que o seu repertório interno é limitado com relação às correlações com o mundo exterior. Os pesquisadores reconhecem que o simples hábito de falar, olhando nos olhos dos bebês, conversando e brincando com eles constantemente, se reflete no seu grau de desenvolvimento cognitivo, o que já pode ser notado aos 18 meses de idade. As crianças se parecem mais entre si quando pequenas. Por outro lado, os estudos mostram que elas já se diferenciam no primeiro ano de vida, em função da família, região ou contexto socioeconômico. A fase da linguagem oral, explica problemas no ensino fundamental, mais tarde. Na oferta de estímulos de toda ordem e nas possibilidades de exploração do ambiente, brincar tem papel fundamental, uma vez que desenvolve a criatividade, a comunicação, o humor, favorece os relacionamentos e permite à descoberta do significado na vida de cada um, aumentando a capacidade da criança de atuar em grupo, assim como as suas competências emocionais para lidar com desafios e frustrações, alicerces importantes da auto-estima. No que se refere à linguagem, assim como nos cuidados com saúde e alimentação, os adultos devem aprender como ensinar seus filhos. Qualquer mãe ou pai tem condições de ajudar: cantando ou explicando imagens, por exemplo. Esses fatores, certamente, favorecerão o surgimento de indivíduos mais resilientes e equilibrados, com mais chances de sucesso tanto no aprendizado, quanto na sua vida pessoal ou profissional futura, requisitos básicos para a felicidade, segundo Layer. Estudos em diferentes contextos apontam que as pessoas mais bem sucedidas e talentosas são aquelas que brincaram, destacando que elas não separam a brincadeira do trabalho, quando adultas. Citaremos aqui mais algumas competências emocionais que podem ser desenvolvidas ou fortalecidas enquanto as crianças brincam: · Confiança em si e no outro · Coragem · Paciência · Persistência · Tolerância · Autoconhecimento · Controle dos impulsos · Comunicação · Empreendedorismo Nos jogos imaginativos com predominância do faz-de-conta, a brincadeira ultrapassa o limite da realidade e constitui um treino para a vida real. Saber avaliar e correr riscos, como por exemplo,andar de bicicleta, escalar um obstáculo, correr e saltar, também podem ser competências importantes para o futuro empreendedor. · Adaptação A capacidade de se adaptar ao inesperado em diferentes situações com flexibilidade, é igualmente essencial no mundo profissional e pode ser desenvolvida, por exemplo, nos jogos com regras que não só ensinam a criança a perder ou a ganhar, mas também que as regras do jogo podem mudar, em comum acordo com os parceiros. · Aquisição do conhecimento A disponibilidade para aprender sempre está relacionada à curiosidade infantil, que, com mente investigativa, busca novos desafios, utilizando os jogos imaginativos e o faz-de-conta, como recursos que aumentam e preservam essa competência. O convívio com os livros e as artes torna-se, igualmente, fator de sucesso para a vida dos pequenos. O brincar pode ainda contribuir para desenvolver nas crianças, habilidades diretamente relacionadas à sua vida futura, tais como as habilidades de convivência e interação. · Habilidades sociais As habilidades sociais, associadas à capacidade de negociação e de conviver com as diferenças, constituem competências requeridas no mundo pessoal e profissional e importantes fatores determinantes de sucesso. A ênfase no brincar como promotor das experiências vividas pelas crianças, principalmente no período que vai até aos seis anos de idade, deverá ter implicações na maneira como se estrutura o ensino infantil que, mais do que nunca, precisa responder positivamente a esse anseio. Educar uma criança para a liberdade e a autonomia, fatores determinantes para o sucesso de cada um, além de oferecer-lhe as condições adequadas, implica em respeitar os seus tempos e necessidades, concedendo-lhe voz e direito de se manifestar tanto na concordância quanto na discordância, mesmo ainda bem pequena. Isto não significa “deixar fazer o que quer”. É preciso repensar na sua condição de sujeito de direitos e não de objeto da ação, que deve ser ouvido, olhado com respeito, ter a responsabilidade de decidir coisas com as quais já pode arcar, ser compreendido como um ser humano integral, com direitos a serem atendidos por todos os adultos Referências COMENTÁRIO GERAL SOBRE O ARTIGO 31 – ONU. Disponível no site:www2.ohchr.org/english/bodies/crc/docs/GC/CRC-C-GC-17_en.doc. GARDNER,HOWARD. Cinco Mentes para o Futuro. Porto Alegre: ed. Artmed.2008 GOLEMAN, DANIEL. A Inteligência Emocional. 1995. Brasil. Editora Saraiva. GRUNSPUN HAIM. Criando Filhos Vitoriosos. São Paulo. Editora Atheneu. 2005. HUGHES P. FERGUS. Children, Play and Development.USA.SAGE Publications.2010. IPA BRASIL. Agentes do Brincar. Disponível em: www.ipabrasil.org IPA BRASIL. Artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança. O desenvolvimento infantil e o Direito de brincar. São Paulo, IPA Brasil, 2013. LAYARD, RICHARD. A Good Childhood – Searching for Values in a Competitive Age. Londres/Inglaterra. Penguin Books.2009 LOUV, RICHARD. Last Child in the Woods. USA. Algonquin Books. 2005. MARTINS,FLORES, MARILENA. Brincar é preciso! São Paulo: IPA Brasil, Ed. Evoluir Cultural,2009. MARTINS, FLORES, MARILENA; TALBOT, PREST, JANET; THORNTON LUCY. A Chance to Play. O Direito de Brincar. Diadema. Hannay Empreendimento Social. 2013. Disponível em : www.a-chance -to-play.org.

  • Qual é importância do ECA

    entrevista de Marilena Flores Martins a Ana Clara Avendaño, Agência de Notícias Uniceub Segundo dados do IBGE, atualizados em 2017, em números redondos, a população do Brasil tem hoje, aproximadamente, 207 milhões de habitantes, dos quais, 46 milhões são crianças entre 0 e 14 anos e 17 milhões são adolescentes entre 15 e 19 anos. Estamos falando, portanto de uma população de 63 milhões de pessoas. Pessoas essas que, não importa sua idade, têm os mesmos direitos de qualquer outro cidadão brasileiro. No entanto, por serem pessoas em desenvolvimento, têm necessidades peculiares e específicas, que precisam ser claramente definidas para que seu entendimento e conseqüente atenção ofereçam as condições necessárias para que se desenvolvam plenamente, com benefícios para todos os cidadãos. Está comprovado que, uma nação que cuida bem de suas crianças e jovens tem seu presente e futuro assegurados, com mais desenvolvimento e menos violência, pois os gastos que seriam destinados aos mecanismos de punição e assistência aos mais pobres, poderiam ser direcionados a outros programas que beneficiariam a toda a sociedade. Portanto, defender e assegurar os direitos de crianças e adolescentes é uma postura essencial que se espera de todos os cidadãos, incluindo-se aí os pais, profissionais, legisladores e gestores dos setores públicos e privados. O ECA(1990) veio com o objetivo de assegurar, de forma definitiva, os direitos a que nos referimos, elencando de maneira clara e didática para que todos entendessem os seus direitos e obrigações, condição básica para o exercício da Cidadania.Uma de sua principais características é a universalidade, ou seja, se destina a assegurar os direitos de todas crianças e adolescentes brasileiros, provenientes de qualquer camada social e não somente dos mais vulneráveis. Não foi uma simples criação de um grupo de “iluminados” que queriam eternizar seus nomes na história. Ele se baseou na própria Lei Fundamental brasileira, nossa Constituição. Para isso citamos aqui o Artigo 227* que resume os direitos e deveres de todos em relação às crianças e o Artigo 4° do ECA, referendado no mesmo. Lembramos que a proposta deste último é a de possibilitar o cumprimento do artigo 227 quando explicita “a efetivação dos direitos”. É preciso lembrar ainda que ele é inspirado pela Convenção dos Direitos da Criança-ONU(1989), da qual o Brasil é signatário e que afirma que “ tudo deve ser efeito no melhor interesse da criança”.Trata-se portanto de um Guia para facilitar o entendimento e o cumprimento da Lei Magna do Brasil. *Artigo 227 “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 2 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Lei nº 8069/90 Artigo 4º “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária.” O ataque ao ECA, em qualquer época, denota a falta de conhecimento mais aprofundado da legislação de direitos do país e que, ao contrário do que muitos asseguram, é extremamente democrática e universal, defendendo o direito de todos aqueles que, como cidadãos, cumprem com seus deveres para com a sociedade. Quando existem infrações às leis constituídas, não existem artigos no ECA que defendam a absolvição ampla e irrestrita do infrator, o que constituiria, no mínimo, uma irresponsabilidade por parte do legislador. É preciso, mais uma vez, lembrar que o ECA defende o direito de todas as crianças e adolescentes do Brasil e é uma interpretação técnica e detalhada do Artigo 227, ao qual me referi acima e que, portanto, atacá-lo seria negar a legitimidade constitucional. Embora muito já se tenha discutido sobre os direitos contidos no ECA, defendo a proposta de que haja uma capacitação massiva, para todos os públicos, sobre os direitos de crianças e adolescentes e os correspondentes deveres de todos que deles cuidam. Acredito que essa iniciativa poderia dirimir quaisquer conflitos e equívocos na interpretação da lei.

  • Sensibilizar para o brincar é convidar ao “desembrutecimento” em qualquer fase da vida.

    João Batista Macedo Júnior Para escrever este texto, resolvi usar a primeira pessoa, pois gostaria de discorrer a respeito da experiência de uma pessoa de 32 anos que participou do curso Agentes do Brincar. Por isso, não gostaria de postular sobre o que foi o curso, e sim, sobre o que eu senti e pensei. Sinto que o universo da brincadeira convida a falar sobre o que sentimos e não sobre o que pensamos a respeito do que sentimos. Entendo que a formação em Agente do Brincar tem como objetivo convidar um público interessado a passar por experiências relacionadas ao universo da brincadeira, como uma forma de ativar as potencialidades que esta prática fomenta. Tendo a pensar trata-se de uma forma interessante de fomentar conexões com o presente e com o corpo, criando significados e sensações que nos deixam diferentes. Na minha opinião, a distância cotidiana das experiências lúdicas colabora para processos de embrutecimento. Chamo de embrutecimento toda a incapacidade de adaptação ou de navegação entre diversos tipos de sentimentos que temperam a experiência de vida. Ou seja, quanto mais embrutecidos, menos desenvolvemos a capacidade de perceber novas nuances e camadas situacionais. No meu cotidiano, não conseguia reservar muito espaço para atividades não relacionadas ao trabalho e ao estudo. Isto ocorre desde que eu comecei a trabalhar, por volta dos 16 anos. Por isso, acho que muito do meu potencial lúdico, acabei usando como lente para interesses acadêmicos e oportunidades de trabalho. No entanto, sinto que ambos contextos não estavam necessariamente abertos para este tipo de projeção. Como exemplo, utilizo uma brincadeira de roda. Acho curioso como este tipo de brincadeira ludibria a percepção do tempo. Sem um juízo de valor sobre a pertinência desse tipo de atividade, mas simplesmente pelo potencial de burlar com a percepção do tempo, já existe aí um aspecto instigador. Creio que a formação oferecida IPA (International Player Association) em parceria com o CPS (Centro Paula Souza) colabora para um tipo diferente de formação profissional, pois, uma vez que estas experiências lúdicas estejam latentes no corpo e na memória de cada integrante do grupo, para aí então, munidos de um novo estado de percepção que os momentos proporcionam, formar-se um grupo de multiplicadores e formadores de opinião que crie espaços de discussão acerca da importância e da aplicabilidade de tais práticas brincantes nos mais diversos ambientes e por meio das mais diferentes ferramentas. Trata-se de uma linha de trabalho que dialoga com conceitos como: inclusão, tolerância a diversidade, ocupação da cidade, combate à violência, comunicação não-violenta, mediação de conflitos e a cultura de paz. Além de colaborar para a transformação das práticas pedagógicas, já tão conhecidamente ultrapassadas. Ou seja, trata-se de colocar o brincar como uma forma de construção de conhecimento prático, sensível e emocional, onde teoria e prática se inter-relacionam de forma harmônica. É neste indefinível que está o brincar, e é este indefinível que traz seriedade, relevância e emergência ao brincar na nossa sociedade. Gostaria de convidar o leitor deste texto a uma pequena experiência: resgatar da memória alguma experiência pessoal na qual participou de algum tipo de brincadeira. Ao recordar imagine que esta experiência é uma pessoa de carne e osso. Esta pessoa, tem nome, tem um tamanho, tem uma peso, tem preferências pessoais, tem uma família, tem um tom de voz, tem um cheiro, se veste de uma maneira específica, etc. Ao compor este retrato, pergunte-se: · Gostaria de rever esta pessoa mais vezes? · O que esta pessoa teria para me dizer? · Sobre o que eu gostaria de conversar com esta pessoa? · Conheci outras pessoas como esta? · Quando desejo, consigo lembrar-me desta pessoa com precisão, ou sua imagem é borrada? · Gostaria de ficar perto desta pessoa, mesmo sem trocarmos palavra alguma? Enfim, acho que a personificação ajuda no exercício de dimensionar o impacto de convivermos com experiências íntimas com o universo lúdico. Para mim, este resgate foi como voltar a frequentar a casa de alguém que me acolhia sem me cobrar muitas informações ou precedentes. Uma pessoa que sabia a hora me convidar e de me mandar embora. Como este desafio, gostaria de provocar ao leitor sobre a habilidade de sentir coisas muito diferentes, mesmo que em experiências muito sutis ou até imaginárias como o que foi proposto acima. Este texto brinca com palavras e imagens assim como o Curso dos Agentes do brincar, desenvolve suas atividades com um grupo, de forma a ajudar seus indivíduos a terem vontade de tornarem-se brincadores na vida, nas mais diferentes situações e locais, permitindo que esta vida aconteça dentro dos limites inerentes a ela, porém sem esmagamentos desconfortáveis. O brincar é apresentado como algo gostoso e que pode ser feito por todos os perfis de pessoas. Penso que o exercício do brincar proporciona experiências que as palavras, ao nomear, embrutece. Por exemplo, em certa aula, o professor atrasou e durante este tempo, alguns colegas e eu, começamos a brincar em sala, mesmo que sentados na cadeira. Jogamos com canetas e papéis. A esta experiência, poderia dar-se o nome de “emancipação”, “distração”, “diversão”, “gestão do tempo”, “aproveitamento de materiais”, enfim, todos termos que tocam questões relacionadas a brincadeira realizada, mas não definem a experiência vivenciada com precisão. Penso que este tipo de sensibilização proposta pelo curso é importante para que o processo de “desembrutecimento” aconteça, processo este que deve ser bem vindo em qualquer fase da vida.

  • Brincando no Museu

    - Renata Silva - Participar de uma visita ao Museu Lasar Segall como parte das ações que contemplam a capacitação da segunda turma do ‘Agentes do Brincar’, foi muito mais do que uma simples atividade de formação profissional visto que, muito embora estivesse bastante focada nos aspectos técnicos do espaço público escolhido pela Professora Priscila Leonel, fui como que levada a transitar o tempo todo por entre reflexões técnico-teóricas e outras tantas sensações lúdicas, provindas de minha própria criança interior. E como para mim não há conflito algum entre essas esferas, me tornei também uma brincante conduzida, hora pelo gato que mora na tela, hora pela narrativa quase lúdica que Segall me proporcionou. A começar pelo espaço em si e por sua arquitetura, acolhedores que são com borboletas a esvoaçar entre o paisagismo do jardim frente ao café, e onde se pode perfeitamente saborear uma boa estória de livros infanto-juvenis, ou então brincar de ‘pisa-nesse-naquele-não’ se nos propusermos a aproveitar o revestimento do piso de modo a proporcionar às crianças uma acolhida brincante antes mesmo de adentrarem os espaços destinados às telas de Lasar. Isso sem contar que esse hall de entrada ajardinado, em frente à cafetaria, também proporciona peculiar vivência sensorial através da escultura, ali bem posicionada, entre os sons que brotam do vento a passear pelas folhagens que a circundam: interessantes brincadeiras sensoriais podem ali ser ofertadas, e não apenas ao público infantil, diga-se de passagem. Adentrando o espaço propriamente dito me senti como que sendo realmente recebida à casa de ‘um grande contador de estórias’, o que com certeza também o deve ter sido, visto que contou tão bem boas histórias através de suas pinceladas. E já me explico: a cada tela observada uma história saltava me ofertando a possibilidade de criar estórias como a do ‘gato que mora na tela do andar de cima’. E mais do que estórias nascendo a cada história contada à pinceladas por Segall, brincadeiras aos borbotões foram me afluindo à mente, como é o caso da grande tela em que retratou uma embarcação com muitos imigrantes, e que me levou à esboçar uma intervenção que intitulei de ‘Com quantos passageiros se faz um convés de navio?’ Quanto ao ‘Gato na Tela do Andar de Cima’, qual não foi minha grata surpresa ao perceber que algumas colegas de turma, pronta e curiosamente, entraram na brincadeira e foram rapidamente à caça da tela com o gato na janela... Que delícia foi para mim esse contato com suas tão belas crianças ainda preservadas dentro de si!!! Mas deixando de lado as tantas peripécias lúdicas que se me esboçaram naquela tarde, importante se faz reconhecer a qualidade do engajamento que envolve e transcende a determinados - e infelizmente poucos – profissionais, como é o caso de Elaine Fontana: muito embora trajada em cores consideradas formais, não havia como estar vestida de forma mais apropriadamente lúdica. Sua fala, bastante bem articulada, argumentava de forma suave e muito bem alicerçada, sobre a importância da empatia no trato com as pessoas, em especial com as crianças. Empatia tal, que não houve como deixar de ser coaptada pela proposta educativa do museu, quer com o público infantil, quer com o público que requer um apoio diferenciado, como é o caso do das pessoas com deficiência: mesmo com poucas peças no acervo que possibilitem o reconhecimento tátil, as oportunidades sensoriais se mostram presentes em cada um dos espaços que compõem o museu como um todo. Quanto ao público infantil em si, que é o cerne de nossa formação, não pude deixar de perceber o quanto o piso do espaço interno é valioso, pois, livre de móveis e objetos, permite intervenções das mais variadas e que podem ir desde uma simples contação de estórias, de uma roda de cantigas e trava-línguas, de um pequeno teatro-de-faz-de-conta, até uma oficina de criação artística e fotográfica propriamente dita. Vislumbrei possibilidades sem fim, a depender da faixa etária e contexto sociocultural: resgate dos cancioneiros regionais que aludem ao mar e às navegações fluviais, oficinas de criação e produção de jogos temáticos com base nas obras expostas, teatrinho kabuki, ... Quiçá todos os espaços públicos conseguissem montar equipes com profissionais realmente envolvidos, motivados e motivadores dessa causa, que é a do próprio resgate e apropriação dos mesmos. Creio que somente apenas através de vivências marcadamente satisfatórias é que um profissional se torna um agente do “printar”, capaz de carimbar em nosso corpo e em nossa mente as sensações que nossa alma capta quando diante das possibilidades do brincar. Será também por isso que “printar” e brincar são rimas entre si? Ouso afirmar que sejam, e não apenas foneticamente, pois só assim consigo explicar o quanto o ‘Gato na Tela do Andar de Cima’ me “printou” e me fez partejar uma brincadeira de bate-pronto com as colegas.

  • Sensibilizando meu olhar e minha escuta para o outro

    - Barbara Cavalari Benedito - Como beletrista e educadora que sou, concebo o ser humano como um ser de linguagem, um ser de potência, um ser dotado de experiências e plenamente capaz de ser, estar e interagir integralmente com o mundo ao seu redor de maneira única e singular. E, após frequentar o curso “Mediadores do Brincar Inclusivo”, percebo minha apreensão sobre esta singularidade do ser humano ainda mais potente e consolidada. Vivenciando aula a aula brincadeiras e perspectivas sobre a inclusão e a pessoa com deficiência, pude construir em minha experiência de vida um olhar mais sensível para meus alunos, meus conhecidos e minha irmã, que convivem com a deficiência desde que nasceram. Pude consolidar de maneira leve e prazerosa que a deficiência não os define, mas apenas faz com que sua experiência neste mundo seja concebida de maneira diferente e ainda mais especial. Pude me politizar ainda mais e me atentar para prosseguir não estigmatizando, mesmo que inconscientemente, a palavra “diferença” como algo negativo, mas como a possibilidade de experimentar a vida de maneira única. Entre muitas outras, minha principal bagagem nesta formação em Mediador do Brincar Inclusivo consiste em, diante do meu desafio em particular que é educar, afinar cada vez mais o meu olhar para o que este outro tem de especial e de potência e não para aquilo que ele eventualmente não pode fazer, o que costuma ser naturalizado mesmo nos discursos mais bem intencionados em relação às pessoas com deficiência. E, hoje, decido que em minha prática não há mais espaço para o “aí, é difícil”, para o “não dá” e para o “eu não consigo”, mas para o “eu posso, quero e vou enxergar o que este outro consegue fazer e partirei daí”. Espero que, pelas veredas que eu venha trilhar, possa propagar este aprendizado e sensibilizar outros olhares tanto quanto o meu próprio olhar foi sensibilizado.

  • O BRINCAR, IMPLICAÇÕES E SEU LUGAR NA SOCIEDADE.

    - Sara Caroline da Silva - “É no brincar, e talvez apenas no brincar, que fruem sua liberdade de criação.” (Winnicott, 1975.) O ato de brincar é fundamental no desenvolvimento humano. Brincar no dicionário Aurélio está relacionado à diversão, a entretenimento infantil, gracejos e até atos levianos e de pouca consideração. Diferente desses significados ou indo além, a brincadeira na infância não é uma mera distração, é um instrumento essencial para o desenvolvimento cognitivo, para a aprendizagem, onde os sinais, a fala e atitudes denotam afetividade e as mais diversas emoções. É na infância que descobrimos coisas novas, entrando em contato com o mundo e os indivíduos que nos cercam. O brincar, nas suas mais diversas formas e modalidades, ampara o desenvolvimento infantil de modo a auxiliar à criança na inserção enquanto sujeito social e se integrar nas realidades do “mundo adulto”, fazendo com que a criança crie, participe e tome parte das realidades que a cerca, como brincadeira de “faz-de-conta Embora, as brincadeiras, muitas vezes reproduzam de algum modo à realidade ou imitam o cotidiano adulto, como profissões e tarefas domésticas, elas podem e devem envolver uma dose de imaginação. O brincar de casinha, de policia- e- ladrão, por exemplo, está sujeito as normas estabelecidas pela criança, que recria e adapta essas situações para o “seu mundo”, onde a casa pode ser mágica, e a policia é amiga do bandido. Da mesma forma que a função pré- estabelecida de alguns brinquedos, podem vir a ser modificados, transformando, por exemplo, um carro em foguete. O modo na qual os pequenos utilizam os brinquedos pode desviar-se, portanto das normas convencionais, já que a criança visa antes da cópia fiel das atividades adultas, construir e recriar um mundo onde seu espaço esteja garantido. Segundo Vygotsky (1998) a concepção de uma situação imaginária não é algo casual na vida da criança; é na verdade a primeira manifestação da emancipação da criança em relação ao que ele chama de restrições situacionais. (VYGOTSKY, 1998, p. 130) As brincadeiras não se atêm apenas ao faz- de-conta e podem ocorrer entorno de assuntos fictícios, contos e personagens, mas que nunca são puramente imaginativos, já que o brincar é fruto também do meio social da qual se está inserido. Assim, independente do quão “longe vá à imaginação”, ela sempre conterá traços dos processos vividos pela criança, núcleo familiar e social: o super- herói pode gostar de determinada comida, hobbies, cores e ter determinados comportamentos que estão associados aos gostos da própria criança ou ao que ela costuma vivenciar. De modo que não podemos dissociar a brincadeira da vivencia particular do sujeito que a prática: “Nenhuma criança brinca só para passar o tempo, sua escolha é motivada por processos íntimos, desejos, problemas, ansiedades. O que está acontecendo com a mente da criança determina suas atividades lúdicas; brincar é sua linguagem secreta, que devemos respeitar mesmo se não a entendemos.” (GARDNEI apud FERREIRA; MISSE; BONADIO, 2004) O brincar instiga a criança em várias dimensões, principalmente no cunho comportamental, psicológico e físico, ensinando regras de convivência, aumenta a dose de criatividade, auxiliando no desenvolvimento do individuo e na aprendizagem. De tão importante e inerente à natureza humana, a brincadeira é naturalmente assegurada e se estende a todos os indivíduos. Esse direito básico é atualmente protegido por lei, justamente por não atingir todas as parcelas da população, precisou ser regulamentado. No Brasil, é o Estatuto da Criança e do Adolescente que assegura aos pequenos, desde 1990, o direito a brincar, praticar esportes e se divertir, ou seja, assegura que se possa passar a infância de modo a crescer e aprender saudavelmente. Entretanto, apenas um papel não consegue de fato, garantir que não haverá crianças trabalhando em situações análogas a escravidão, não consegue extinguir os 2,7 milhões de postos em trabalhos infantis catalogados em 2016 pela Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios, ou modificar a situação de miséria que muitas crianças se encontram, resultando na necessidade de “adultização” precoce e preocupações que não deveriam afligir certas idades. Não se pretende desvalorizar tal estatuto, só ponderar que apenas a lei não basta, que ela deve vir acompanhada de outras leis e medidas protetivas que perpassam, por exemplo, no âmbito econômico. Em outro cenário, porém indo ao encontro das dificuldades sobre o brincar, notamos uma sociedade que parece entender a brincadeira como inerente a infância, ao mesmo tempo que não a vê como um fator absolutamente necessário ou de extrema importância. Os pais restringem o espaço e a hora. A própria escola, os espaços exteriores, a cidade, os prédios, as pessoas... Acompanham tudo e julgam aquelas crianças, que ousam brincar em espaços e horas que não são considerados corretos e aceitos socialmente. A própria escola, se coloca como “espaço para aprender e não para brincar”, como se um, fosse dissociado do outro. Logo ela, que pode ser uma das maiores aliadas na compreensão das disciplinas, que pode ensinar o individuo a ser mais compreensível e altruísta. O que também não significa que devemos ver a brincadeira apenas funcionalmente, ela se basta. Poderia ser vista também, como aliada na recuperação de doenças e deficiências, mas é colocada por vezes, como imprópria para hospitais. Espaços culturais, museus, bibliotecas e exposições, não a consideram adequada entre suas estantes. Os pais abarrotam a agenda dos pequenos com “mil e uma atividades” extremamente práticas, que “servirão para o futuro”, sem pensar que esse “futuro” depende do desenvolvimento proporcionado pelo brincar. Bibliografia FERREIRA, Carolina; MISSE, Cristina; BONADIO, Sueli. Brincar na educação infantil é coisa séria. Akrópolis, Umuarama, v. 12, n. 4, p. 222-223, out./dez. 2004. MELO, Luciana; VALLE, Elizabeth. O brinquedo e o brincar no desenvolvimento infantil. Psicologia Argumento, Curitiba, v. 23, n. 40, p. 43-48, jan./mar. 2005. PIAGET, J. A formação do símbolo na criança: imitação jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. QUEIROZ, Norma; MACIEL, Diva; BRANCO, Ângela. Brincadeira e desenvolvimento infantil: um olhar sociocultural construtivista. Paidéia, 2006, 16(34), 169-179. ROLIM, Amanda; GUERRA, Siena; TASSIGNY, Mônica. Uma leitura de Vygotsky sobre o brincar na aprendizagem e no desenvolvimento infantil. Rev. Humanidades, Fortaleza, v. 23, n. 2, p. 176-180, jul./dez. 2008. VYGOTSKY, L. (1984). Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes. VYGOTSKY, L. (1998). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. WINNICOTT. D.W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro. Imago, 1975. 2,7 milhões. Esse é o número de crianças que trabalham no Brasil. Revista Exame. Talita Abrantes , 25 nov 2017. http://exame.abril.com.br/brasil/27-milhoes-esse-e-o-numero-de-criancas-que-trabalham-no-brasil/

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